sexta-feira, 13 de abril de 2018

A invasão dos ratos - Urariano Mota


A invasão dos ratos


* Por Urariano Mota

Os cientistas, os pesquisadores sabem e provam que eles transmitem doenças aos humanos de qualquer país. Os ratos são animais que transmitem desde a leptospirose, gerada quando urinam, cujo contato provoca febre, dores, hemorragias e morte, até o hantavírus, que eles geram quando defecam e se propaga pelo ar. Essas são as mais simples e conhecidas doenças por eles transmitidas, mas há pelo menos mais de 200, das quais a mais grave para a vida ainda não se sabia no Brasil e no mundo civilizado.


Agora, sabemos da sua peste mais feroz, porque se mostram aos milhares a tomar de assalto as cidades de todos os brasileiros. Não vêm como os pássaros do filme de Hitchcock, que apareceram a trazer o terror sem qualquer explicação. Tampouco desceram sobre a terra como os marcianos, porque apenas subiram dos esgotos onde se sempre se esconderam. Então, por que vêm a criar a mais medonha anormalidade à saúde de toda a gente?

A causa da peste, fala-se que veio de alguns defensores do povo quando falharam na manutenção periódica dos gramados e dos jardins, bem como na limpeza dos terrenos baldios e das ruas, para evitar o estabelecimento de colônias dessa praga no Brasil. Pois que tais medidas de higiene precisavam ser adotadas de forma coletiva, já que o descuido de poucos pôde levar a condições favoráveis para o estabelecimento de novas colônias. Desse modo, os animais sujos puderam facilmente migrar por todo território nacional. Alguns até bem velhos, uniformizados, pois sobreviveram entre épocas separadas por 50 anos ou mais. Mas isso explicaria o seu assalto presente? Será que a simples prática de higiene os manteria nos seus buracos e imundície? Ou só o seu radical extermínio protegeria a humanidade brasileira?


Os anúncios da peste antes da invasão estavam claros. Foram desprezadas as pistas das suas fezes e nada examinaram as marcas e fedor da urina. Também fingiram não ver as manchas escuras – rastros dos seus corpos gordurosos - nos cantos das paredes, na altura dos rodapés do Brasil. Os liberais não quiseram ver o progressos das ratazanas em escolas, faculdades, delegacias de polícia, quarteis, juizados e congresso nacional. Nem sequer notaram ou não quiseram notar os alimentos para a educação e cidadania roídos. E como os ratos precisam estar sempre roendo algo, invadiram e roem até os estúdios de rádio e televisão, onde envenenam os cérebros de editores e seus bonecos apresentadores que aparentam ter voz própria.


De que forma?


Quando invadiram o convívio que se queria democrático, mas na verdade liberalista a ponto de abrigar a negação de civilidade, eles saíram indecorosos às ruas travestidos de peles e cores que disfarçavam a origem da cloaca. Assim postos, foram às redações e substituíram os falantes diante das câmeras, com focinhos à semelhança de humanos, mas cujas falas denotavam o baixo nível do esgoto. No ar, guincharam a defesa da limpeza ética, do combate aos sujos e corruptos, logo eles, os limpos, no conhecido recurso do ladrão que corre e grita “ladrão!”. E numa escala assombrosa foram ao judiciário, e subiram poltronas, e tomaram o lugar dos juízes civilizados, e passaram a falar uma língua que imita a cultura, mas constituída só de jargões vazios de humanidade. E tomaram e tomam decisões! Sim, decisões, e condenaram os condenados antes de qualquer julgamento constitucional. Mas como podem os ratos tomar decisões? Poderia ser respondido que no terreno da arbitrariedade até os animais falam. Com voz fanha, é verdade, mas falam, porque tudo no reino da violência é permitido. No entanto, em seus chiados nasais, ainda subsiste alguma lógica. Por quê? Os cientistas já provaram que os ratos tomam decisões que se alinham à curva "estatisticamente ótima". Ou, em outras palavras, eles fazem a melhor escolha possível quando o ambiente lhes é favorável.


Antes, não se exibiam em público nem tomavam decisões. Se o fazem agora é porque os seus inimigos naturais julgaram que a imundície da história estava superada. E a proliferação se acentuou. Quando há alimento farto, as ratazanas entram em cios frequentes, e chegam a despejar até 100 filhotes por ano. Isso transposto para a vida social da presente invasão, imaginem a quantidade de becas e uniformes que foram assimilados e substituídos nos últimos tempos. Dai vêm os rasos e graduados de alto escalão que guincham a nivelação de líderes máximos do povo a lixo, que pode ser atirado pelas janelas de aviões. Daí vem a vingança contra o homem mais importante do Brasil hoje, submetido a um isolamento absoluto da prisão. E falam, a seu modo falam fino fascio, que “nenhum privilégio será concedido ao presidiário, a não ser o uso da latrina na cela”. Daí ser natural, naturalizou-se no horror que direitos e garantias individuais são privilégio, onde se inclui, é claro, um vaso sanitário onde possam defecar. Entende-se, para quem vem de um gênero e espécie que espalha fezes pelo chão, usar uma latrina é atributo de excelência. Onde ousarão os próprios traseiros os grandes roedores?


Daí que os ratos saiam da segunda instância e invadam até a Suprema Corte, que se tornou o mais alto corte de direitos da pessoa humana. Como faz sentido? À semelhança de ministro, porque veste uma toga, um deles falou, à semelhança de falar, que seu papel é corrigir as escolhas do povo. Ou seja, “tenho que separar o joio do trigo; o problema é a quantidade de gente que ainda prefere o joio”. Juízos supremos do voto popular, negado. E assim, magistrados, militares, mídia, congresso, presidente transformam em lixo a Filosofia, a Sociologia, as Artes, a Música, que se retiram do ensino nas escolas, porque já antes transformaram em lixo os direitos sociais de toda a gente sofrida, conquistas conseguidas de modo tão pequeno e precário, mas ainda assim melhores que a vida no esgoto.


Mas o povo tem um antídoto, todo cidadão brasileiro tem um remédio imediato. Lula livre. Lula vivo contra a peste. No Brasil invadido, somos todos caça-ratos.


* Escritor, jornalista, colaborador do Observatório da Imprensa, membro da redação de La Insignia, na Espanha. Publicou o romance “Os Corações Futuristas”, cuja paisagem é a ditadura Médici, “Soledad no Recife”, “O filho renegado de Deus”, “Dicionário amoroso de Recife” e “A mais longa juventude”. Tem inédito “O Caso Dom Vital”, uma sátira ao ensino em colégios brasileiros

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