quarta-feira, 14 de março de 2018

Imagem de Montes Claros em 1897 - Mara Narciso


Imagem de Montes Claros em 1897

* Por Mara Narciso
 
Quando Dário Teixeira Cotrim, atual presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, apresentou o livro Corografia Mineira, Município de Montes Claros, do Desembargador Antônio Augusto Velloso, que ele organizou e publicou, despertou a atenção, por ser a primeira obra sobre a História Política e Administrativa da cidade. Corografia é o mesmo que monografia, uma descrição completa.
 
Coronel Lázaro Francisco Sena, mentor da ideia e Dário Cotrim, o executor, foram felizes na decisão e no resultado. Rogério Othon achou os originais no Arquivo Público Mineiro em Ouro Preto e depois a dupla de pesquisadores encontrou mais dois exemplares entre os livros de Simeão Ribeiro, patrono do Instituto.
 
O livro Chorographia Mineira – O Município de Montes Claros, originalmente publicado em fascículos no Correio do Norte foi republicado em seu formato original, com acréscimos sobre o autor, nome importante para a Rua Dr. Velloso. Antônio Augusto Velloso nasceu em Montes Claros em 31 de outubro de 1856. Fez o curso primário na cidade natal, quando aprendeu rudimentos de Latim que mais tarde dominaria, tendo feito aos 20 anos a premiada “Tradução Literal das Odes de Horácio”. Em 1870 foi estudar Humanidades em Diamantina. Devido à febre amarela, não pôde ficar no Rio de Janeiro, indo completar os estudos em Petrópolis. Depois, em São Paulo, formou-se bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, no ano em que escreveu a Corografia – 1897, de 38 páginas em letra miúda.
 
O detalhamento da obra remete a um livro de vulto, Os Sertões, de Euclides da Cunha. Aqui, o Desembargador explica as condições dos terrenos do município, com suas características minerais – ouro, diamante, ferro, calcário - e geográficas, sua vegetação, capins, flores, madeiras, e frutas, explicitando seus usos medicinais e industriais para borracha e tintura de tecidos. Dos frutos do mato cita pequi, araçá, murici, mangaba e outras, e surpreende ao falar das promissoras culturas de arroz, algodão, trigo, cevada e linho.
 
Descreve rios, lagoas e peixes, chuvas e alagados, causadores de insalubridade e mortes pelas febres, e ações governamentais para drená-los. Naquela época existia a crença na “geração espontânea”, ciência fantasiosa que acreditava que animais poderiam surgir do nada. Conta das florestas fechadas e dos animais pequenos e grandes, inclusive onças. Explicita insetos, os de natureza econômica, como abelhas, os répteis, anfíbios e até sanguessugas. Como na arca de Noé, nenhum fica de fora.
 
 
Fala das gentes e das características raciais e de índole, dizendo ter poucos estrangeiros. Menciona edificações, igrejas e jurisdições, detalhando leis e datas, ajuntamentos e divisões de municípios, sendo uma obra para quem quer saber de onde veio. Então fala da educação, comércio, indústria e transporte por tropas de burros e carros de boi. Os caminhos eram abertos pelos animais.  A estrada de ferro era uma promessa e os rios as vias habituais. A nove Km havia a Fábrica de Tecidos do Cedro, “tendo um pessoal de oitenta operários, pela maior parte orphãos e menores desvalidos, além de outros empregados externos”. Fala de cifras em Mil Reis, ações individuais e governamentais, e, exceto as feiras e a algazarra, não detalha hábitos sociais, apenas que havia três igrejas e 35 escolas primárias, sendo seis urbanas. Dos cinco mil habitantes estimados, a maioria sabia ler, e “o número dos analphabetos, pela maior parte se contam na população rural e entre os indivíduos originários das extintas classes dos libertos e ingênuos”.
 
Depois de percorrer em escrita antiga, respirando a nossa História em seus primórdios, podem-se esclarecer equívocos. O primeiro nome de Montes Claros foi Fazenda Montes Claros, depois de 1707. Em 13 de outubro de 1831 o vizinho Arraial de Formigas virou vila. Não há data certa de quando se aglutinaram os povoados Montes Claros e Formigas formando a Villa Montes Claros de Formigas. A primeira Câmara Municipal foi instalada em 1832, ainda que tenha se tornado cidade de Montes Claros em três de julho de 1857, assim, o nome anexo “de Formigas” durou 25 anos. A Corografia é um encontro feliz com as profundas raízes montes-clarenses, tão real quanto uma apresentação de cinema em 3D.

Fotos Arquivo Maria da Dores Guimarães Gomes
 

* Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”


2 comentários:

  1. Acho que já disse isso em outra ocasião - seus relatos instigam a conhecer Montes Claros. Sem dúvida, uma cidade com muita história já contada e mais ainda a contar. Abraços, Mara.

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