terça-feira, 6 de março de 2018

Editorial - O que escritores leem


O que escritores leem


O que os escritores – chamemo-los de “profissionais” – cujas vidas giram ao redor da literatura, que é não apenas sua profissão, mas, sobretudo, paixão, leem, costumeiramente? Afinal, só escreve bem quem lê muito (essa parece ser uma “regra universal” para os literatos e todos os que tiram seu sustento da redação de textos). A pergunta me foi feita, recentemente, por e-mail, por um leitor e entendi tratar-se de um bom tema para ser abordado neste espaço.

A resposta mais honesta que posso dar é: depende. Não, não estou ficando em cima do muro. Depende mesmo. Do que? De uma série de fatores. Por exemplo, do país em que o sujeito vive, dos recursos financeiros de que dispõe para a aquisição de livros, do seu grau de cultura, da sua personalidade, do seu gosto, do fato de dominar ou não outro idioma além do seu e vai por aí afora.

Eu, por exemplo, dou preferência (por motivos óbvios) a autores de língua portuguesa. Todavia, sempre que o dinheiro permite, me dou o luxo de “importar” livros, quer em inglês, quer em francês, espanhol ou italiano. Não é sempre que isso é possível. Mas também (felizmente) não é um fato tão raro assim. Tenho, em minha caótica biblioteca, diversos lançamentos em língua estrangeira, muitos dos quais não lançados nunca no Brasil. Não tantos, claro, quantos desejaria que fossem. Muitos desses livros importados tenho comentado, amiúde, neste espaço – e vocês são testemunhas disso – pois já abordei obras, sem exagero algum, de cerca de quatro centenas de escritores. Nada mau, não é mesmo?

É difícil de saber o que os principais astros da literatura mundial leem. Por que? Simples, quando entrevistados, são raros os entrevistadores que lhes façam essa pergunta. Creio, contudo, que seus critérios de leitura não difiram muito dos meus. As preferências, talvez (ou certamente, sabe-se lá) variem, de acordo, reitero, com sua nacionalidade, formação cultural, personalidade e vai por aí afora. Os poucos que revelam suas leituras, todavia, salvo raras exceções, declaram serem leitores dos chamados clássicos. Pudera! Da minha parte, sempre recomendo a quem posso que também os leia. São eles que formam o alicerce da cultura das pessoas razoavelmente instruídas.

Dia desses, topei, na internet, com uma entrevista de Michael Cunningham. Vocês, certamente, sabem de quem se trata. Se não sabem, ou não se lembram, eu lhes esclareço. É um escritor norte-americano, digamos maduro para a atividade – completará 66 anos em 6 de novembro de 2018e que tem importante conquista em seu currículo: ganhou o Prêmio Pulitzer de 2002, na categoria ficção, com o romance “As horas”. O livro é tão bom, que foi adaptado para o cinema. Aliás, Cunningham é, também, produtor cinematográfico e chegou a atuar, até mesmo, como ator. Foi no filme “Evening”, que tem no elenco “feras” da sétima arte, como Glenn Close, Toni Collette e Meryl Streep. Como se vê, nosso companheiro não é fraco. Tem seis livros publicados, todos sucessos de vendas e de crítica, sendo seu romance mais recente “Ao cair da noite”, lançado em 2010, inclusive no Brasil.

Pois bem, agora vocês já conhecem (ou se lembram dele caso tenham esquecido de quem se trata) Michael Cunningham. Na tal entrevista que mencionei, ele revelou quais são suas leituras. Não todas, óbvio, pois para isso teria que escrever um livro inteiro, se não vários deles. Entre seus preferidos, citou vários autores, tidos como clássicos, como Virgínia Woolf, Jane Austen, Anton Chekhov, Gustave Flaubert, James Joyce, Thomas Mann e F. Scott Fitzgerald. Como se vê, todos escritores consagrados e lidíssimos tempo e mundo afora.

Todavia, entre suas preferências, estão, também, vários contemporâneos (dele e nossos). Parte considerável desses, confesso, conheço apenas de nome. Alguns, nem mesmo de nome sei de quem se trata. Outros tantos, todavia, já tive o privilégio de também ter lido. Neste caso, declinou estes escritores: Denis Johnson, Jonathan Lethem, Jeffrey Eugenides, Alice Munro, Margaret Atwood, José Saramago, Murakami e Achebe. Bela sugestão para incluir na relação dos livros a adquirir tão logo, claro, disponha de recursos para tal. Isso se vier a dispor desse dinheiro.

Há uma certa similaridade entre as preferências literárias de Cunningham e as minhas. Ele confessou, na citada entrevista, que aprecia demais ler escritores novos, estreantes no mundo editorial, rigorosamente desconhecidos do público e da crítica, em busca do seu espaço no complicado e competitivo mercado. Eu também gosto disso. Alguns desses novatos se projetam de imediato e não tarda para se tornarem best-sellers. A diferença é que Cunningham lê os “novatos” do seu país, os Estados Unidos. E eu... leio livros dos nossos “novatos”.

De alguns deles, sequer preciso comprar. Recebo-os de “presente”, com o respectivo pedido de ajuda para divulgá-los. Caso sejam bons, faço meus comentários a respeito e publico-os nos espaços de que disponho na mídia, quer a impressa, quer a eletrônica. Sobre os que têm deficiências e são mais casos para críticas e reparos do que para elogios, eu me calo. Deixo para outros críticos, mais severos e insensíveis, a tarefa para mim amarga de malhar a produção de esperançosos neófitos. Certo ou errado em minha atitude, não serei eu quem haverá de matar os sonhos de quem quer que seja.

Entre os novatos que Cunningham revela ter lido ultimamente, ele enfatiza três em especial. Coincidentemente, são três mulheres. A primeira, é uma escritora sérvia, nascida na antiga Iugoslávia, mas que reside há já algum tempo nos Estados Unidos: Téa Obreht. Ocorre que desde o mês de julho de 2011, ela não pode mais ser considerada “novata”. Passou, com louvor, em seu batismo de fogo, ao conquistar, em Londres, o Prêmio Orange do Reino Unido, com seu primeiro romance, “The tigers wife”. A premiação é destinada à melhor obra escrita em língua inglesa por mulher de qualquer parte do mundo. E Téa é uma escritora das mais promissoras, pois tem muita lenha para queimar. Por que? Porque tem, apenas, 36 anos de idade.

A segunda escritora novata que Cuningham mencionou foi outra jovem (nascida em 1972) e outra de origem estrangeira. Basta atentar para o seu nome, nitidamente de origem asiática: Sarah Shun-lien Bynum, residente em Los Angeles. Dela, o entrevistado mencionou o romance “Madeleine is sleeping”.

Finalmente, a terceira das novatas que Cunningham citou é Karen Russell, da novíssima geração (nasceu em 10 de julho de 1981). Ela especializou-se em histórias curtas, com as quais venceu alguns concursos literários universitários. Recentemente, lançou sua primeira novela, intitulada “Swamplandia”, livro que o talentoso ganhador do Pulitzer de 2002 afirmou ter lido, e gostado. Creio que respondi, pelo menos razoavelmente, à pergunta do leitor sobre leituras de escritores. Pelo menos tentei.

Boa leitura!

O Editor.

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Um comentário:

  1. Uma vez eu quis escrever, imitando alguém, não me lembro quem, sobre a quais médicos os médicos vão. Ainda escreverei sobre isso, mesmo que já tenha escrito duas crônicas chamadas "Eu amo meus médicos".

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