domingo, 11 de fevereiro de 2018

Geração Pinocchio - Rosana Hermann


Geração Pinocchio


* Por Rosana Hermann


A mentira está na moda. Não que ela seja a novidade do momento, a mentira está nas raízes de todas as árvores genealógicas humanas. Mas o marketing que promove a mentira triunfou de tal maneira que seu status pecaminoso, vexaminoso, foi varrido do mercado. Pelo menos, aqui no Brasil, onde a mentira é tão disseminada que ao invés de aplaudir a sabedoria, premiados quem não sabe de nada.

Não saber de nada é a primeira lição para quem quer mentir bem. Negar o que se sabe é trancar a verdade no cofre e vestir a máscara da inocência. Sei, mas de tanto repetir que não, acabo me convencendo da minha própria ignorância. A mentira é autossugestiva e acaba convencendo até o mentiroso de sua veracidade.

É fato que a mentira tem muitas faces, graus de intensidade e gravidade, que vão desde a mentirinha light, usada para deixar de atender ligações indesejadas ao dizer que não estamos ou não podemos, até mentiras mais heavy metal, envolvendo atos criminosos.

A verdade, que sempre anda nua e crua e ainda por cima dói, foi eliminada junto com todas as outras dores da vida moderna, que não agüenta o menor incômodo ou sofrimento. A verdade então se veste, traveste, implanta próteses de mentira onde quer que necessite para encobrir insuportáveis verdades. Em termos mais abrangentes a mentira está em todos os seios com silicone, nas cirurgias plásticas, nos bronzeamentos artificiais, nos cabelos tingidos e esticados à força, com ajuda da física e da química e segue os mesmos artifícios. Há mentiras cirúrgicas e cosméticas, permanentes e passageiras, que desbotam junto com o pó de henna ou esmaecem com o tempo.

A mentira hoje é um adereço essencial para quem quer fazer sucesso e a verdade caiu em desuso, ficou careta, jacu, cafonérrima. Mesmo sendo relativa a verdade, não vende, porque não seduz. A mentira é perita em iludir e dá de dez na consciência, que só serve para estragar nossas ilusões.

Ah! A ilusão! A ilusão é o Olimpo, o Nirvana da mentira. Mente-se só para isso, para iludir e ser iludido, para camuflar e confundir. E funciona tão bem que, talvez, fosse mesmo o caso de abolir a verdade de vez.

Mente-se na vida real, na vida virtual, no trabalho, na família, na cama. Mente-se no corpo e na mente, mente-se para fazer sucesso. E quer saber? Funciona. O sucesso premia os melhores mentirosos, verdadeiros artistas do fake. Portanto, vamos todos mentir e fazer sucesso! Vamos todos roubar idrias dos outros sem créditos e assumir que a obra é nossa. Vamos colher os frutos da autoria falsa com aplausos de milhões de outros mentirosos que nos apoiam em nossa luta pela erradicação da chatíssima verdade. Vamos copiar, vamos nos promover, sempre em cima da inverdade. E quando algum chato nos flagrar e denunciar, vamos desmoralizá-lo. Vamos usar a arma número um da mentira, a alegação de inveja. Os mentirosos adoram achar que são invejados! Vamos convencer tolos, idiotas, imbecis, ingênuos, desavisados, toda a horda de mal-intencionados que a mentira é boa. Com esse apoio maciço, é certo, os babacas, os ratos de escritório, os estudantes dedicados, os malditos retos de caráter, aqueles que insistem em jogar luz de verdade sobre a penumbra sensual da mentira, serão ridicularizados e finalmente, destruídos.

A mentira está na moda. E pode ser comprada até em dez prestações, sem juros e sem culpa. No cartão.

*Rosana Hermann é Mestre em Física Nuclear pela USP de formação, escriba de profissão, humorista por vocação, blogueira por opção e, mediante pagamento, apresentadora de televisão.




Nenhum comentário:

Postar um comentário