Nossas Babéis de cada dia
As
cidades, como as conhecemos, são um fenômeno, do ponto de vista
histórico, relativamente recente. Datam de 35 a 40 séculos, se
tanto (um pouco mais ou um pouco menos, mas nesse limite). Parece
muito tempo, mas em termos de História, é um verdadeiro “ontem”.
Um quase nada.
As
primeiras cidades, muitíssimo diferentes das megalópoles atuais –
como a Cidade do México, Nova York, São Paulo, Xangai, Tóquio,
Londres etc. – eram (e não poderia ser diferente) muito distintas
das atuais em sua concepção, infraestrutura e administração. Eram
literalmente gigantescas “fortalezas” e seu objetivo principal
era o de garantir, sobretudo, segurança aos moradores. As de hoje,
todavia, podem oferecer (e oferecem) de tudo. De tudo... menos
segurança. Ou seja, são (salvo honrosas exceções), violentas,
inseguras, irritantes, estressantes, enlouquecedoras e, no entanto...
Seus habitantes sequer cogitam, nem mesmo remotamente em outro tipo
de vida, se não o que levam nessas megaprisões de cimento e
asfalto. Não, pelo menos, seriamente.
As
primeiras cidades surgiram, nos primórdios do que se convencionou
chamar de “civilização”, reitero, basicamente com o objetivo de
proporcionar além de conforto, segurança aos moradores. Tinham
função de proteger pessoas, em geral de um mesmo clã, que se
dedicavam às então incipientes atividades da agricultura e da
pecuária, de ataques de grupos inimigos.
Protegiam-nas,
das ameaças externas,com suas muralhas quase inexpugnáveis.
Defendiam-nas, das ameaças internas, com os embriões do que viria a
se transformar na instituição do “exército” – e
posteriormente da “polícia” (de “pólis” = cidade). Repeliam
investidas de grupos nômades, bandoleiros sem regras, que viviam da
força bruta e da rapina. E protegiam daqueles que pretendessem se
prevalecer da força bruta para, principalmente, se apropriar do
patrimônio alheio.
As
primeiras cidades abrigavam apenas umas poucas dezenas de moradores e
eram como uma única e gigantesca casa, cujas demais moradias faziam
o papel de amplos cômodos e eram interligadas num único bloco.
Hoje, como observamos, algumas são tão grandes, que têm populações
equivalentes às de alguns países! São Paulo, por exemplo, e
somente sua área urbana, tem praticamente o dobro dos habitantes de
Portugal inteiro. Imaginem a Cidade do México, com população
superior a 24 milhões de pessoas em sua área metropolitana! O
estranho de tudo isso é que essas cidades gigantescas não param de
crescer, a despeito dos inconvenientes do seu gigantismo.
Lemos,
na Bíblia, a alegoria da Torre de Babel. De acordo com a narrativa
bíblica, a humanidade de então falava um único idioma. Não se
sabe por qual motivo, alguns (quem?) resolveram construir um
gigantesco prédio, cuja altura “chegasse ao céu”. Essa mega
edificação abrigaria a totalidade da população de então e, de
lambuja, sobraria espaço mais do que suficiente para todos os que
nascessem por várias gerações. Mas, porque concentrar todos os
habitantes do mundo da época em um espaço tão restrito, os
acomodando verticalmente, quando o Planeta tinha tanto espaço?
Diz
a narrativa bíblica que, para evitar que tamanha insensatez tivesse
êxito, Deus “confundiu” as línguas. As pessoas passaram a se
expressar de formas diferentes, de sorte que uma não entendia o que
a outra dizia. Dessa forma, por falta de comunicação, a mega-obra
não prosperou, pois se tornava impossível trabalhar em equipe dessa
forma. Foi interrompida e abandonada, e cada bando envolvido nessa
insensata aventura seguiu o seu rumo.
Guardadas
as devidas proporções, pode-se afirmar, metaforicamente (se não
literalmente), que as megalópoles contemporâneas são Torres de
Babel, posto que não verticais, mas horizontais. E não se trata de
uma única mega habitação, mas de inúmeras, cerca de uma centena
delas, para sermos razoavelmente precisos. E no interior de algumas
há, também, edifícios altíssimos, que desafiam a lei da gravidade
(e do bom-senso), alguns de quase um quilômetro... mas de altura.
Vejam
as torres gêmeas da Petronas, em Kuala Lumpur, na Malásia.
Concluídas em 1998, têm 88 andares e pouco menos de meio
quilômetro... de altura. Para ser mais exato, medem 452 metros. E
sequer são as maiores edificações do mundo, mas são as quintas. A
primazia desse exagero cabe ao Burj Khalifa, da cidade de Dubai, nos
Emirados Árabes Unidos. Sabem qual a altura desse (literalmente)
arranha-céu? Pasmem, é de 828 metros! Perto dessa edificação, por
mais absurdamente alta que deveria ser a Torre de Babel, conforme os
delírios megalomaníacos de seus exageradíssimos projetistas, ela
seria “fichinha” diante dessa construção!
Os
outros prédios mais altos do mundo – estes todos na Ásia – são,
pela ordem: 2º) Taipei 101, em Taipei, Taiwan, com 509 metros; 3º)
Shangai World Financial Center, em Xangai, China, com 492 metros e
4º) International Commerce Center, em Hong Kong, China, com 483
metros. Onde esses malucos pretendem chegar?! A despeito da população
mundial, hoje, já atingir os 7,6 bilhões de habitantes, qual a
razão de tamanha concentração populacional em espaços tão
restritos? Segurança? Ora, ora, ora. Vocês conhecem, acaso, lugares
mais inseguros e arriscados do que as cidades contemporâneas (e nem
precisam ser megalópoles, mas apenas de porte médio)?
Está
aí, amigo escritor, um bom tema, mais atual do que nunca, para você
explorar, quer ficcionalmente, quer em textos de não-ficção, como,
por exemplo, um detalhado ensaio sobre essa absurda e insensata
concentração urbana, que teve início no século XIX e que parece
não ter prazo para parar. Certamente, voltarei a abordar o tema, sob
vários outros dos seus ângulos.
Deixo-lhes,
contudo, para reflexão, este trecho de uma das minhas crônicas a
propósito, no qual escrevi: “O arquiteto Paulo Archias Mendes da
Rocha, em seu livro ‘Memórias’, faz uma observação, que nós,
moradores das grandes cidades, deveríamos levar muito a sério: ‘A
cidade é uma idéia, ela não existe. É uma invenção do homem. Se
não gostamos dela, temos de fazer uma outra. A esperança é essa.
Saber que sabemos fazer desta uma outra’. Compete-nos, portanto,
fazer uma ‘outra’ cidade, que de fato nos pertença, e não aos
violentos, aos bandidos, aos marginais, aos ladrões e aos
sequestradores. Desta, que está aí, perigosa e violenta, certamente
não gostamos! Como seria bom podermos voltar a caminhar tranquilos
pelas ruas da nossa cidade, a qualquer hora do dia ou da noite, como
em passado ainda relativamente recente, sem riscos de assaltos ou de
atropelamentos! Ou pelo menos sem aborrecimentos. Como seria bom
poder apreciar o céu, as nuvens, as árvores, os monumentos, os
tipos humanos... Enfim...”
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Essa volta seria boa para todos.
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