quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Natal celular


* Por Marcelo Sguassábia


Bando de DNA amarga mais um Natal na cadeia”, estampava a manchete dos principais jornais no dia 25 de dezembro.
O menor, de alta periculosidade e conhecido no submundo do tráfico pelas iniciais DNA, comemorou as festas com uma palavra de ânimo aos seus comparsas: “Não é porque o DNA está na cadeia que o nosso Natal vai ser triste. Vamos lá, sorriam, sorriam, mesmo que seja atrás das grades. Pensem em visita íntima, broa de fubá com serrinha dentro, golpe do sequestro falso, crédito de celular aos montes. Pensem alguma coisa assim, bem bacana, e abram aquela risada gostosa para a nossa foto natalina anual”.

Prosseguiu o famoso meliante, depois de umas três ou quatro taças de espumante de discutível qualidade:

Mas espera aí, está todo mundo muito alinhadinho, assim fica falso e sem graça. Talvez umas serpentinas em cima e outras embaixo, envolvendo o pessoal, uma coisa mais festiva! Quero os grupos bem animados, como se fossem uns blocos de carnaval. Aliás, o carnaval tá chegando, daqui a pouco começa aquela sem-vergonhice nas ruas e não vai dar outra: exame de DNA pra tudo quanto é lado para reconhecimento de paternidade”.

As festividades para o passa-fora de 2017 e a entrada de 2018 continuaram com os cromossomos:

” – Já que estamos os 46 reunidos, acho que vale uma foto para a posteridade.
Mas a gente tá sempre junto…
Eu sei, mas nunca ninguém lembra de tirar retrato. E hoje é uma ocasião especial. Porém já vou avisando que quem vier com o maldito trocadilho “Cromossomos felizes” vai ter a cabeça cortada na fotografia. E vou compartilhar a guilhotinada no Instagram.
- Então vamos pro clique, vai. Digam X, digam X… ué, por que só a metade do povo tá sorrindo? Não entendi…

Em nível atômico, a animação não era menor:

Caramba, o elétron não para quieto, assim a imagem vai sair tremida. Gente, vamos colaborar! Deem só uma olhada no nêutron, que belezinha… Fica na dele, quietinho lá no núcleo, não se envolve em confusão e tá sempre bem na foto.

A farra celular prosseguia, em sistema operacional Android e IOS:
” – Atenção células, vamos deixar um registro pra posteridade. O citoplasma, o núcleo e a membrana podem ficar ajoelhados em primeiro plano, aqui na frente. Na fila de trás ficam a mitocôndria e a organela, ok?”

E se completava em um hemograma completo:
- No fundo, no fundo, o ser humano gosta é de ver sangue. Mesmo que seja em um mero exame de laboratório. E temos que fazer bonito! SUS, convênio, particular, o empenho tem que ser o mesmo, ok? Não vamos desapontar nosso organismo, pelo amor do Criador. Plasma, hemácia, leucócito, plaqueta… todos aí, né?
Sangue azul a esta altura já deve estar sendo perseguido pelos paparazzi, loucos por uma foto indiscreta pra revista Caras. Mas não é esse o caso da gente. Sangue vermelho como o nosso é o que mais tem por aí, e precisamos dar um jeito de nos diferenciar e agradar quem nos hospeda. Com essas campanhas de doação, se ele resolve dar uma de escoteiro vamos parar na geladeira do hemocentro. Temos que nos segurar por aqui, nem que seja pra esconder o ferro das lentes do microscópio e simular uma anemia”.

No reino vegetal, cliques, flashes e selfies culminaram em um instantâneo histórico, digno de moldura e lugar de destaque em qualquer parede:
Gente, vamos fazer uma fotossíntese. Fiquem todos em clorofila aqui em frente à câmera, não quero deixar ninguém de fora. Atenção, sorrindo…


* Marcelo Sguassábia é redator publicitário. Blogs: WWW.consoantesreticentes.blogspot.com (Crônicas e Contos) e WWW.letraeme.blogspot.com (portfólio).



Um comentário:

  1. Do micro ao macro, do animal ao vegetal, todos querem fazer "cara de retrato".

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