sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Um Natal a sós


* Por Henrique Fendrich


Aquele Natal eu passei sozinho. Não viajei para visitar ninguém, fiquei na mesma cidade onde eu já passava sozinho todos os dias que não eram Natal. Estava cansado dessas festas. Queria repetir os Natais da minha infância e sentia que os outros me impediam. Isolado, eu pensava recuperar alguma coisa do que um dia havia sido o Natal. Para isso, até enfeitei uma árvore, cuidando para que não houvesse nela o menor sinal de Papai Noel ou presentes – nada que me lembrasse no que o Natal havia se transformado. E era para esta árvore que eu olhava, ouvindo a Mariah Carey cantar “O Holy Night” e pensando em como haveria de passar a minha noite santa.

Primeiramente, era preciso providenciar a minha ceia. Fui até o mercado e comprei um sanduíche de frango com ricota. Mas eu havia de fechar os olhos e imaginar que era um delicioso peru, assim como li em uma historinha do Pato Donald. O Pato Donald ia de trenó com os sobrinhos à casa da Vovó Donalda para passar o Natal. No caminho acontece uma tempestade de neve e tantos imprevistos que, lá pelas tantas, o Pato Donald solta: “Que Natal!”. Então, os patos recebem abrigo na casa de uma viúva com duas crianças, onde só há uma lata de ervilha para a ceia de Natal. Mas as crianças explicam: é só fechar os olhos e imaginar que é um delicioso peru…
A lembrança dessa historinha, que eu havia lido justamente no período dos meus bons Natais, fez com que eu aproveitasse minha ida ao mercado para comprar um gibi da Turma da Mônica. Assim armado, voltei ao meu quarto, onde fiquei à espera de não sei o quê, talvez da visita do Fantasma dos Natais Passados. Teria sido bem recebido. Na verdade, antes que escurecesse eu já havia me convencido que era uma bobagem passar o Natal sozinho assim.
Lembrei-me que a única canção de Natal brasileira, isto é, a única canção de Natal brasileira que pegou mesmo, havia sido escrita pelo Assis Valente em uma véspera de Natal igualmente solitária. Aquela do “anoiteceu, o sino gemeu”. O sujeito que pede a felicidade ao Papai Noel, e já faz tempo que pediu, mas o velhote não vem, com certeza já morreu, ou então felicidade é brinquedo que não tem. Isso tudo escreveu Assis Valente no Natal que passou sozinho, enquanto que de mim só se pode esperar uma crônica.

A felicidade talvez seja muita coisa para se pedir. Naquela noite eu me contentaria com um abraço. Resolvi sair de casa, esperando, como milagre da noite, topar com algum dos poucos conhecidos que tinha na cidade. Entrei em uma igreja, onde acontecia uma celebração. Havia mais pessoas sozinhas por lá do que eu imaginava. Ocorreu-me que às vezes as pessoas vão às igrejas atrás do próprio Papai Noel, o velhinho que vai me dar todos os presentes que mereço. Ah, e nós mesmos quase não oferecemos presentes, e se oferecemos queremos outros em troca.
Fiquei ali um tempo. Quando me levantei para sair, uma mulher que também assistia a celebração veio em minha direção. Desejou-me feliz Natal e me deu um abraço. Eis que o meu pedido para aquela noite havia sido atendido, e eu saí de lá muito contente, imaginando que, apesar de tudo, eu havia alcançado o perdão pelo meu egoísmo de Natal.

* Henrique Fendrich é jornalista, escritor e pesquisador. Mantém a “RUBEM”, única revista digital sobre crônica, e é autor dos livros “Brasília quando perto” (2013) e “Deus ainda não acabou com tudo” (2014), ambas coletâneas de crônicas. É organizador do blog literário “Vida a Sete Chaves”. Também escreve livros de história e genealogia, além de textos para os jornais “Folha do Norte” e “Evolução”, de São Bento do Sul/SC.

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