quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

Aquela fotografia


* Por Mara Narciso
 
Em 2014 coloquei no Facebook um retrato do meu casamento, e agora, coincidentemente quando a imagem completa 40 anos, ela volta. Os números redondos costumam ter maior peso do que os números quebrados, e acabei por mergulhar naquele dia longínquo, no qual eu tinha 22 anos, era virgem como orientava a família, e estava me casando.  Meu noivo, Flávio Rocha Silveira, de 28 anos, natural de Fortaleza, Ceará, era engenheiro civil formado em 1974. Eu, Mara Yanmar Narciso da Cruz, nascida em Montes Claros, Minas Gerais, tinha concluído o quarto ano de Medicina. Milena, a minha mãe, era médica há três anos, uma das quatro profissionais femininas da região, começava uma promissora carreira e queria me proporcionar um bom casamento.
 
Milena enviou-me a Belo Horizonte com a minha Tia Dida – Maria Inez Narciso, para comprarmos meu enxoval pessoal e desenharmos o vestido de noiva na Casa da Sogra. Rebelde que segue todas as regras - como me classificou a minha prima Simone Narciso Lessa –, eu não quis véu, grinalda e nem brilho. Espartana, escolhi um modelo em voil de algodão, com mangas compridas e decote quadrado, enfeitado com nervuras e rendas francesas. Na cabeça, um pequeno arranjo de flores, assim como um delicado buquê nas mãos. Quem fez o vestido foi Natália Peixoto, referência para noivas na época.
 
Naquele tempo casar era simples. Em poucos meses, tudo estava resolvido. Enfiada nos livros, não tive vontade de fazer o enxoval da casa, então, Milena o comprou. Quando ela descobriu que eu tinha escolhido uma quinta-feira para me casar, não gostou da excentricidade, mas mantivemos a data e o casamento aconteceu no dia 15 de dezembro de 1977. O convite foi um cartãozinho branco tamanho postal, com dizeres padrão, que não satisfizeram a minha mãe. Eu não queria aparecer, e sim me ocultar, já definindo meu estilo reservada e contida. Estava amando demais, totalmente querendo me casar com Flávio. Alugamos um apartamento de dois quartos, no Bairro São José, ao lado do Campo do Ateneu, em primeira locação, e compramos móveis simples, em ações leves e despreocupadas.
 
Então, chegou a hora de me casar. Quem me arrumou foi Tia Dida. A Catedral de Nossa Senhora Aparecida fora ornamentada pelo meu Tio Zé - José Geraldo Mendonça, com flores naturais trazidas de Barbacena.  Eram exatamente 19 horas quando cheguei à igreja num carro comum, que nem me lembro qual era. Minhas primas Simone e Marília, e minha irmã Carla foram nossas damas de honra. Elas tinham 14 anos. Meu pai, Alcides Alves da Cruz, que era muito distante da gente, entrou comigo. O casamento dele com minha mãe foi um fracasso. De braços dados, eu, olhando o noivo e o padre no altar, falei para pai: o circo está montado, podemos entrar.
 
O que transformou o nosso momento foi a voz de Magnus Medeiros. A igreja também ajudou muito. A emoção foi tão intensa e os sentimentos tão contraditórios que custo a me lembrar com exatidão. Misturam-se imagens, sons e cheiros em mim.
 
Do ponto de vista prático, as recepções costumavam ser feitas em casa, e Milena ofereceu um jantar para a família. Havia a crise do petróleo, e os postos de gasolina se fechavam às 18 horas e nos fins de semana. Mesmo assim viajamos de carro, quase um mês pelo nordeste, até Natal - RN.
 
Tínhamos decidido fazer apenas umas poucas fotos em preto e branco. Após o ritual, lá estávamos nós, casados, saindo da igreja. O Foto Facella nos capturou nesse instante de contentamento, um casal jovem, leve e feliz por ter dado aquele passo. Eu tinha encontrado uma pessoa que me amava e que eu amava. A minha alegria superava a timidez, que nele, parecia maior no retrato. Incompreensível, pois se largou sozinho de Natal, vindo morar em Montes Claros. Era popular, jogava voleibol, tocava um violão gostoso, especialmente a Bossa Nova, cantava bem, era gerente do setor de águas, e foi o homem mais interessante que já conheci, até hoje.
 
No Facebook, recebi elogios pela singeleza do vestido, pela jovialidade e por ela, uma suposta beleza. E disseram que Flávio não era bonito. Mas era. Tinha um belo corpo de atleta amador. Em 29 anos juntos, realizamos muitos feitos, tivemos um filho, Fernando, fomos irremediavelmente felizes. Assombrosamente, o nosso casamento teve um fim há onze anos. Ficaram muito mais coisas do que as fotografias. Para uma agradável memória afetiva.


* Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”


2 comentários:

  1. História bonita, Mara. Você não deixou claro que fim exatamente ela teve, mas espero que os bons momentos tenham superado as eventuais amarguras. Abraços.

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  2. O casamento acabou há onze anos. Ficaram excelentes lembranças.

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