quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

A dança da cultura cigana, mourisca e árabe

* Por Mara Narciso

O folder do 2º Festival Flamenco de Montes Claros explica que o Flamenco é uma dança oriunda da fusão da cultura dos ciganos, mouriscos – espanhóis descendentes de muçulmanos -, e árabes, surgida no sul da Andaluzia, estado independente que integra a Federação Hispânica. Tal manifestação serviu para congregar os povos daquela região, unidos por dor, sofrimento e perseguição. A dança aliviava o sofrimento, animava festas e enchia as pessoas de orgulho e esperança em suas lutas, unindo cultura e teatralidade na arte de desabafo. Vários ritmos compõem o Flamenco, e nesta apresentação estiveram presentes Martinete, Colombianas, Patada por Tangos, Garrotin, Guajira, Tangos de Triana, Tangos de Graná, Alegrias, Sevilhana e Tientos. Nos dez números apresentados, Elisa Pires estava no baile, assinando a direção artística, cenografia e coreografia ao lado dos seus alunos da Escola Pátio Flamenco de Montes Claros.

Elisa Pires é montes-clarense e esteve radicada na capital durante duas décadas, onde teve uma escola de dança. Quando a vi dançar, conheci a plenitude dessa arte que divide o corpo feminino em duas porções distintas, da cintura para cima é a leveza e feminilidade dos gestos de braços e mãos, da cintura para baixo é a sensualidade de um requebrar e a força das pernas e pés no sapateado de diversas faces. Alternam-se batidas do pé inteiro, o golpe, do salto, o tacon, ou da planta ou da ponta, com seus sons e estéticas característicos. O sapateado convida ao entusiasmo e a empolgação, demonstrando saúde e agilidade, especialmente se em ritmo alucinante. Quando a dança é triste, há dramaticidade no rosto do corpo de baile, mas se é alegre o sorriso corre em cada face, mostrando o prazer de dançar.

Existem os palmeros, com muitas maneiras e sons nessas palmas, o que garante o ritmo, alguns deles com doze tempos. O som necessário pode ser mais grave ou mais agudo, conforme o andamento. Também há os cantes flamencos, que soltam a sua voz de lamento, a guitarra flamenca, o baixo elétrico, o cajon e a percussão. A mulher pode se apresentar de calças compridas, mas veste, preferencialmente, vestido comprido de babados, cabelo preso na nuca, enfeitado com flor, rede ou pente, maquiagem e sapato com bico e salto coberto por metal, para garantir o som do sapateado.

Os adereços podem ser chapéu, chale, leque, sino, bengala ou castanhola. Empunhar e tocar castanhola exigem um treinamento extra-baile. Como todas as danças, o Flamenco socializa, integra, desinibe, contagia, e a coreografia, com diferentes manifestações entre a parte superior e inferior do corpo, pede uma espécie de dissociação corporal, e melhor consciência física, favorecendo conexões cerebrais outras e ativação da memória.

No 2º Festival Flamenco de Montes Claros tivemos a presença de dois homens, uma criança, João Pires e um adulto, Alexander Teixeira. Braços para cima, num gestual masculino, eles têm marcadas suas características de força, vigor e virilidade, e assim exibe-se o homem.

O quadro infantil com Colombianas y Patada por Tangos teve a graciosidade de duas pré-adolescentes que se destacaram pela habilidade e potencial artístico. São elas Luiza Pires e Yara Royo. As outras meninas, algumas de tenra idade, fizeram um trabalho de uma meiguice comovente.

A sensualidade esteve presente no último ritmo, Tientos, numa apresentação de relevo, com belo figurino preto com rosas vermelhas aplicadas no peito, bailando Ana Pires, Bella Antunes, Danúbia Silveira, Dany Vasconcelos, Juliana Pires, Marta Medeiros, Van Royo, Wylliane Albuquerque e Elisa Pires.

O solo de Elisa foi um presente-convite para dançar Flamenco. Apresentou-se com um belo chale, tão grande que poderia facilmente laçar-lhe os pés, desequilibrando-a, mas o seu domínio técnico passou longe disso, especialmente quando ela largou seu parceiro de franjas e sapateou ocupando todo o palco. Apresentou-se noutros ritmos, reforçando grupos e afinando o repertório, fez várias trocas de figurino, sendo a rainha da festa, ainda que várias de suas alunas tenham demonstrado notáveis talentos. Marcando sua ousadia e espírito empreendedor, Elisa Pires idealizou e fez acontecer um belo espetáculo. De volta a Montes Claros há dois anos, cria em dezembro a tradição flamenca.

* Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”


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