sábado, 18 de novembro de 2017

Testamento


* Por Edmundo Pacheco


Não gostaria de morrer
Antes de belas coisas dizer
Antes de ver o dia nascer
As flores, o florescer...

Não gostaria,
Antes de meu melhor best-seller
Motivar filas nas livrarias,
De minha melhor peça
Lotar a Broadway.
Músicas cantadas pelo Chico, pelo Eça.
Prêmio Esso.
Quadros no Masp.
Entrevista no Jô.
Amarelas da Veja.
Cliente VIP da Vasp.
Convidado da Hebe.
Da Gabi e do Clô.
Garoto propaganda de cerveja...

Não gostaria...
Mas ai, que sina,
se não garanto a diária morfina
Morro de fome na próxima esquina...

Se garanto, morro de tédio nesta latrina...

O best-seller arquivado
O cérebro aos vermes doado.
A peça, incompleta por falta de talento.
As flores, murcharam antes do nascimento.

Músicas do Eça? Que que é isso?
Prêmio Esso?
- É nome de posto?
Quadros? - "Isso não é arte, é reborréia"...
Jô? Que Jô? O Soares? Da Globo?
- "Moleque, vai trabalhar e deixa de ser bobo"...
Veja? Vasp?
- "Você nem sabe o endereço do Masp"...

Poderia, antes de encerrar o meu ato
Fazer belas coisas, mas me deu diarréia.

Quem haveria de ler isso?
Um amigo?
Duvido! Que diria?
- "Isso nem é poesia"...
- "Não passam de lamentações à volta do umbigo"
- "Aceita teu destino, submisso".

Na verdade,
É verdade...

E, pra falar a verdade, estou pronto
Se morrer agora, neste ponto,
Não deixo obra incompleta,
Apenas a despesa do enterro.

Por que, então?
Por que não?
Por que é bobagem?
Não. É que me falta coragem.


* Escritor, poeta e jornalista.

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