sábado, 11 de novembro de 2017

Passado e futuro, dor e delícia


* Por Anna Lee


O Profeta, a novela das seis que a Globo estreou há pouco, é um remake e uma trama de época. Uma fórmula que a emissora repete, certamente, porque funcionou em Sinhá Moça – a antecessora – e em outras experiências recentes, e que, agora, também tem tudo para dar certo, apesar da evidente inexperiência do protagonista, Thiago Fragoso. O profeta – Marcos – é um jovem que tem o dom da clarividência e que terá de aprender a lidar com a dor e a delícia de ser o que é (para citar Caetano Veloso).

A novidade – boa, por sinal – é que a Globo transportou para os anos 50 a história original, escrita por Ivani Ribeiro (1922-1995) nos anos 70 e veiculada pela TV Tupi. Anos 50: tempos de glamour embalados pelo som do rock and roll, a nova música que surgia. Tempos esses em que James Dean fazia sucesso como o garoto rebelde que usava blusão de couro e jeans no filme Juventude Transviada (1955). E Marlon Brando, de camiseta branca, exibia-se displicente em Um Bonde Chamado Desejo (1951). Tempos esses em que as garotas gastavam metros e metros de tecido para confeccionar vestidos amplos, de cintura bem marcada e na altura dos tornozelos. Luvas e outros acessórios luxuosos, como peles e joias, compunham o visual. Grace Kelly, Audrey Hepburn, Rita Hayworth, Marilyn Monroe e Brigitte Bardot, cada uma no seu estilo: chique, ingênuo ou sexy, eram referências.

A Globo é especialista em retratar épocas. O clima dos anos 50 reproduzido para a novela O Profeta foi sem dúvida um acerto e encheu meus olhos. Mas o que ficou na minha cabeça depois que acabou o primeiro capítulo foram os gritos angustiados do profeta:

“De que adianta saber, se eu não posso entender? Olha para mim, Deus. Olha, meu coração está sangrando, eu perdi meu irmão. (...) Eu não quero esse poder. Eu não quero ter sonhos, intuições. De que adianta saber se eu não posso impedir? O senhor cortou a minha própria carne. Tira de mim esses olhos. Tira de mim essa luz, senhor”.

Marcos havia sonhado com um barquinho de papel solto num rio caudaloso, mas, quando Lucas, o irmão menor, pede para que ele recolha as ovelhas sozinho porque quer remar um pouco, não associa os fatos. Apenas diz que não gosta que o irmão entre no rio por causa das corredeiras, porém, diante da insistência do menino, cede. A canoa de Lucas vira e ele bate com a cabeça em uma pedra. Marcos, de repente, se lembra do barquinho e, ao intuir o que está para acontecer, corre desesperadamente para tentar alcançar o irmão e salvá-lo, mas não consegue.

A chave da trama está aí. É justamente ao deparar-se com a impossibilidade de controlar a vida que o público se identifica, aprecia a história e ajuda a manter os índices de audiência acima dos 30 pontos no ibope, considerados bons para o horário das 18h. Afinal, quem nunca quis saber sobre o futuro? Se há alguém que nunca quis, que jogue a primeira pedra. E que também conteste o fato de que é reconfortante descobrir que mesmo a pessoa que tem a capacidade de anunciar os desígnios divinos e predizer acontecimentos por inspiração de Deus, como é o caso do profeta, não pode interferir no que está por vir. Isso nos põe todos, profetas e simples mortais, numa mesma vala e me obriga ao lugar-comum de que somente a Deus (ainda que não se acredite nele) o futuro pertence. A nós, restam nossas dores e delícias. Seja nos anos 50, 70 ou quaisquer outros.

  • Texto publicado na Revista Flash

*Jornalista, mestranda em Literatura Brasileira, autora, com Carlos Heitor Cony, de "O Beijo da Morte"/Objetiva, ganhador do Prêmio Jabuti/2004, entre outros livros. Colunista da Flash, trabalhou na Folha de S. Paulo e nas revistas Quem/Ed.Globo e Manchete.



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