quarta-feira, 8 de novembro de 2017

Exclusão

* Por Mara Narciso
 
Prega-se aceitação, mas se pratica exclusão. Os grupos se fecham, os iguais se atraem e se completam, deixando o diferente de fora. Rechaçam o que incomoda. Juntam-se os afins, o estranho não entra, e acaba esquecido.
 
Entremos numa escola. Vamos buscar a fase mais difícil de aceitação de si e do outro. Tentemos uma sala de adolescentes de 13 anos. São 30 alunos enfileirados em suas carteiras. Estão em relativo silêncio. É uma aula de História. A professora escreve no quadro, alguns copiam, mas o celular está ao alcance da mão. Ali o aparelho é usado para pesquisa, mas todos sabem que o WhatsApp impera. Ele é o Deus e o senhor que domina o mundo. O som de chegada de mensagem é uma ordem. É preciso atendê-lo com mais presteza do que se houvesse um incêndio.
 
No intervalo, as tribos se organizam, os semelhantes se agrupam, e dão risadas compartilhando mensagens. É esperado que haja preferências, mas é desagradável assistir a eliminação de um colega, por qual motivo for. Quem não se adequar estará excluído, seja dentro da sala, seja do lado de fora. Nessa guerra declarada há quem fique deslocado, de lado, ou, timidamente se aproxima, para ser rejeitado. Não, você, aqui não! Ah, como é ruim ser recusado no grupo! Essa idade é cruel.
 
Quem é criado num lar que oprime, isola, cala, aprende a eliminar. A prática da tolerância faz a aceitação daquele que foge ao padrão. Todos deveriam ser ouvidos, na sua singularidade, na sua característica ímpar, seja boa ou ruim. Aquele que não é bonito nem inteligente o suficiente, ainda que todos queiram ser belos, atraentes e brilhantes, precisa ser entrosado. A busca é penosa, o encontro é gratuito. Caso houver.
 
Quando existir alguma doença ou deformidade, alguma alteração gritante de comportamento, nem pensar. Espera lá! Mesmo o incompatível não precisa ser descartado. A escola está ali para ensinar isso. Os pais começam o ensinamento e depois o aprendizado de aceitação se complementa. Isso só não é nada para quem é perfeito e nunca sofreu bullying, mas aos inadequados, só restam o choro e a dor. Tem de brincar sozinho. Na hora de fazer um trabalho em grupo, sobrar. Ninguém quer aquela companhia. E mais adiante, vem a impossibilidade de se enturmar, fazer amigos, namorar, arrumar emprego, casar. Tudo isso exige muito mais esforço.
 
O politicamente correto é ridículo quando você não precisa lidar em relação a sua pessoa ou aos que ama, com palavras cruéis como aleijado, burro, doido, feio, gordo e demais termos pejorativos. Muitos querem ferir. Quem não escolhe palavras para designar adequadamente uma característica vai machucar gente. Até recentemente havia um hospital para atender crianças com necessidades especiais. O nome? Hospital da AACD - Associação de Assistência à Criança Defeituosa, criado em 1950. Bonito, não é? Foi amenizado para Criança Deficiente.
 
Tudo tem um nome e esse nome deve ser usado, porém com delicadeza na escolha. Veja o desastre de alguém ser referido como aidético, canceroso, leproso. São palavras pesadas e desnecessárias. Ter um problema de saúde não significa andar feito fantasma arrastando correntes. Pode-se amenizar na fala e na sensação de doença.
 
Tempos atrás havia um cartão de identificação no qual estava escrito: Sou diabético. Caso esteja passando mal, telefone para... Um dia trocaram os dizeres do cartão para: Tenho diabetes, caso esteja com um comportamento estranho dê-me açúcar, e avise...
 
Doce a mais ou a menos faz toda a diferença para quem tem diabetes. Para que tornar amarga a vida de alguém? Seja mais humano. Escolha a palavra certa, aceite o diferente, espalhe amor e a sua volta haverá paz. Clichês sem limites? Eu não me intimido em citá-los.
 


* Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”


2 comentários:

  1. É paradoxal e engraçado o fato de que nunca se utilizou tanto a palavra "inclusão" como agora. Inclusão social, inclusão digital e por aí vai. Tudo retórica vazia...

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  2. Verdade. Por isso não pedi inclusão, falando diretamente do que nos rasga a carne, a imensa exclusão.

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