Exclusão
* Por
Mara Narciso
Prega-se
aceitação, mas se pratica exclusão. Os grupos se fecham, os iguais
se atraem e se completam, deixando o diferente de fora. Rechaçam o
que incomoda. Juntam-se os afins, o estranho não entra, e acaba
esquecido.
Entremos
numa escola. Vamos buscar a fase mais difícil de aceitação de si e
do outro. Tentemos uma sala de adolescentes de 13 anos. São 30
alunos enfileirados em suas carteiras. Estão em relativo silêncio.
É uma aula de História. A professora escreve no quadro, alguns
copiam, mas o celular está ao alcance da mão. Ali o aparelho é
usado para pesquisa, mas todos sabem que o WhatsApp impera. Ele é o
Deus e o senhor que domina o mundo. O som de chegada de mensagem é
uma ordem. É preciso atendê-lo com mais presteza do que se houvesse
um incêndio.
No
intervalo, as tribos se organizam, os semelhantes se agrupam, e dão
risadas compartilhando mensagens. É esperado que haja preferências,
mas é desagradável assistir a eliminação de um colega, por qual
motivo for. Quem não se adequar estará excluído, seja dentro da
sala, seja do lado de fora. Nessa guerra declarada há quem fique
deslocado, de lado, ou, timidamente se aproxima, para ser rejeitado.
Não, você, aqui não! Ah, como é ruim ser recusado no grupo! Essa
idade é cruel.
Quem
é criado num lar que oprime, isola, cala, aprende a eliminar. A
prática da tolerância faz a aceitação daquele que foge ao padrão.
Todos deveriam ser ouvidos, na sua singularidade, na sua
característica ímpar, seja boa ou ruim. Aquele que não é bonito
nem inteligente o suficiente, ainda que todos queiram ser belos,
atraentes e brilhantes, precisa ser entrosado. A busca é penosa, o
encontro é gratuito. Caso houver.
Quando
existir alguma doença ou deformidade, alguma alteração gritante de
comportamento, nem pensar. Espera lá! Mesmo o incompatível não
precisa ser descartado. A escola está ali para ensinar isso. Os pais
começam o ensinamento e depois o aprendizado de aceitação se
complementa. Isso só não é nada para quem é perfeito e nunca
sofreu bullying, mas aos inadequados, só restam o choro e a dor. Tem
de brincar sozinho. Na hora de fazer um trabalho em grupo, sobrar.
Ninguém quer aquela companhia. E mais adiante, vem a impossibilidade
de se enturmar, fazer amigos, namorar, arrumar emprego, casar. Tudo
isso exige muito mais esforço.
O
politicamente correto é ridículo quando você não precisa lidar em
relação a sua pessoa ou aos que ama, com palavras cruéis como
aleijado, burro, doido, feio, gordo e demais termos pejorativos.
Muitos querem ferir. Quem não escolhe palavras para designar
adequadamente uma característica vai machucar gente. Até
recentemente havia um hospital para atender crianças com
necessidades especiais. O nome? Hospital da AACD - Associação de
Assistência à Criança Defeituosa, criado em 1950. Bonito, não é?
Foi amenizado para Criança Deficiente.
Tudo
tem um nome e esse nome deve ser usado, porém com delicadeza na
escolha. Veja o desastre de alguém ser referido como aidético,
canceroso, leproso. São palavras pesadas e desnecessárias. Ter um
problema de saúde não significa andar feito fantasma arrastando
correntes. Pode-se amenizar na fala e na sensação de doença.
Tempos
atrás havia um cartão de identificação no qual estava escrito:
Sou diabético. Caso esteja passando mal, telefone para... Um dia
trocaram os dizeres do cartão para: Tenho diabetes, caso esteja com
um comportamento estranho dê-me açúcar, e avise...
Doce
a mais ou a menos faz toda a diferença para quem tem diabetes. Para
que tornar amarga a vida de alguém? Seja mais humano. Escolha a
palavra certa, aceite o diferente, espalhe amor e a sua volta haverá
paz. Clichês sem limites? Eu não me intimido em citá-los.
*
Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia
Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de
Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”
É paradoxal e engraçado o fato de que nunca se utilizou tanto a palavra "inclusão" como agora. Inclusão social, inclusão digital e por aí vai. Tudo retórica vazia...
ResponderExcluirVerdade. Por isso não pedi inclusão, falando diretamente do que nos rasga a carne, a imensa exclusão.
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