quarta-feira, 15 de novembro de 2017

Chove lá fora e aqui tá tanto frio” (Me chama-Lobão)

* Por Mara Narciso
 
Nuvens vinham passear na cidade, ficavam grávidas, escureciam, passeavam pelo céu e iam embora sem acontecer. Talvez ficassem tímidas com as nossas súplicas, por não tirarmos os olhos do alto, implorando por elas. Então, não choviam.
 
Mas, enfim, depois de 45 dias de primavera e quatro chuvas rápidas, finalmente choveu em Montes Claros. Foi a 5ª chuva do período e ainda que tenha tido ventania, foi chuva calma, e de certo volume. O vento cantou no telhado, os grilos estão cantando e as mariposas apareceram. De manhã, a passarada enfeita o tempo com sua cantoria feliz.
 
Soube pela Copasa que, caso a chuva volte ao seu volume normal nos períodos de primavera e verão, em cinco anos a barragem atingirá seu volume de segurança. A represa de Juramento, que fornece 65% da água para Montes Claros, estava com 15% da sua capacidade. Os rios Saracura e Juramento que a abastecem, tinham parado de correr. O drone nos trouxe imagens chocantes da nossa seca e da ameaça de fuga da população. Grandes rios sem água, inclusive o Rio São Francisco, manteve a população em permanente pânico. Agora o norte de Minas pode entender os retirantes do nordeste.
 
Há dois anos estamos em situação de restrição hídrica, com racionamento de água. A cidade foi dividida em zonas e cada setor recebe água num dia, faltando dois. Ameaçam ampliar os dias faltosos. Nas residências, as cisternas e alguns poços artesianos estão secos. A maior parte da população está consciente e economiza em tudo, até na descarga sanitária. Banhos curtos e com chuveiro desligado ao ensaboar, reutilização de água de banho para lavar quintal e dar descarga, coleta de água de chuva dos telhados, uso de roupa por mais tempo, economia de utensílios domésticos, uso de descartáveis, redução de plantas em casa, nada de usar mangueira, apenas balde e economia de consumo no limite máximo. Desde o dia 19 de outubro, o município estipulou multa para quem utilizar mangueira para limpeza e jardim. Gastamos, em três dias, o que gastávamos em apenas um.
 
A Meteorologia previu chuva para toda a semana. Demorou a engatar, mas finalmente a chuva nos pegou em dias falhados, a semana inteira. Ficou nublado todo o tempo. A temperatura caiu dos 36 para 22ºC. Hoje teve ligeira cerração. A cidade se animou. Em vez de reclamar da restrição e por outro lado imaginar que alguns dias de chuva nos salvaram, vamos plantar árvores e nos conscientizar que a monocultura de eucalipto é nefasta ao clima, especialmente o descuido com as terras em volta, com suas erosões e destruição das nascentes. Levaram nosso cerrado e estão transformando o norte de Minas num deserto, mas quem sabe ainda haja tempo de nos educar em cima de conhecimentos técnicos?
 
Montes Claros perdeu investimentos, pois sem água, como implantar negócios aqui? A Cidade Industrial está recebendo o precioso líquido todos os dias, e em quantidade para seu consumo habitual, mesmo assim, poucos se arriscam. Também o Bairro Morrinhos tem água todos os dias, por estar logo abaixo da ETA - Estação de Tratamento de Água.
 
A nossa seca histórica, que nesse ciclo já dura sete anos, fez desacostumarmos com água fria pingando do céu. Uns poucos respingos incomodam, mesmo que estejamos alegres com eles. E, perdurando uns poucos dias, já ouvimos gente reclamando. Circulou um vídeo de uma senhora, sob sombrinha e chuva forte, molhando uma planta na rua com um regador. Ninguém entendeu.
 
E que a chuva caia em abundância em nossa cidade, e quando houver festas, que se usem toldos ou se festejem dentro das edificações, e as mulheres estejam preparadas para molhar as barras dos seus vestidos longos e desmanchar os seus cabelos com os respingos. A sobrevivência em primeiro lugar. E a vaidade, essa que venha depois. 
 

* Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”



2 comentários:

  1. Que a benfazeja chuva venha pra ficar, Mara. Vocês merecem! Abraços.

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  2. Continua chuviscando por aqui, mas a água do reservatório permanece imutável.

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