Asnos
volantes: seu fim está próximo
* Por
Marcelo Sguassábia
Os
carros autônomos, aqueles que não precisam de motorista, já estão
rodando por aí. Segundo matéria de capa da Veja da semana passada,
que aprofunda o assunto e suas consequências, eles serão
aproximadamente 10% da frota mundial até 2035. E quando produzidos
em massa deverão chegar já elétricos, o que será uma dupla
revolução.
Tudo
será muito diferente. Da forma de condução à comunicação.
As campanhas publicitárias terão que mudar completamente seus approachs aspiracionais para emplacar a novidade. O prazer de dirigir será substituído pelo prazer de não dirigir. Ninguém mais irá chamar alguém de “bração”, “asno volante” e que tais. Afagos como “fdp”, “aí, navalha”, “volta pra auto-escola” não serão mais revidados pois 100% dos motoristas robôs tem, sim, sangue de barata. E os ciber-pilotos assimilarão os desaforos com sua característica frieza original de fábrica.
As campanhas publicitárias terão que mudar completamente seus approachs aspiracionais para emplacar a novidade. O prazer de dirigir será substituído pelo prazer de não dirigir. Ninguém mais irá chamar alguém de “bração”, “asno volante” e que tais. Afagos como “fdp”, “aí, navalha”, “volta pra auto-escola” não serão mais revidados pois 100% dos motoristas robôs tem, sim, sangue de barata. E os ciber-pilotos assimilarão os desaforos com sua característica frieza original de fábrica.
Dependendo
do conforto do carro, o caminho para o motel pode muito bem virar o
próprio motel. Dependendo também, é evidente, do grau de escuridão
do insulfilm – que poderá ser complemente negro, já que o
motorista não precisará enxergar o que vem à sua frente.
Álcool
e direção irão se misturar perfeitamente e se dar às mil
maravilhas, deixando o bafômetro em embriagante obsolescência. Ô
dó. O coitadinho vai começar a beber pra esquecer os dias de glória
e de extraordinária arrecadação de multas.
Outros
prováveis desdobramentos desafiam a imaginação. Será um
verdadeiro aborto da natureza conseguir vender uma pick-up off-road
para um cowboy do asfalto ou para um trilheiro de verdade. Onde é
que os criativos das agências de propaganda irão se pegar, e para
apregoar exatamente o quê? Adrenalina? Aventura? Emoção? Qual será
o arquétipo utilizado para que o sujeito se encante? Com que
argumentos rebaixar o fissurado em 4×4 para o banco de passageiro e
ao mesmo tempo despertar nele o desejo de compra?
Tem
também a questão dos seguros dos veículos. Se os acidentes param
de acontecer, a seguradoras vão fechar. Se continuam, quem serão os
novos culpados?
O
que já se pode antecipar como certo é que o celular estará
liberado ao volante (se é que continuará existindo volante, que não
servirá para coisa alguma), e nenhum guarda de trânsito ou
amarelinho poderá falar nada se flagrar um condutor digitando
mensagens em cima de um viaduto, a cento e quarenta e tantos por
hora. Aliás, os radares de velocidade irão enfim requerer a tão
sonhada aposentadoria. Bom, pelo menos para quem é motorista, ela é
sonhada, sim.
É
lógico que a mítica do carro como símbolo de status social
continuará prevalecendo, seja ele autônomo ou não. Um carro mais
básico poderá abrigar uma turma fazendo uma mãozinha de truco
enquanto se encaminha ao canteiro de obras; já as luxuosíssimas
limousines levarão damas quatrocentonas, com seus imensos chapéus,
às corridas no Jockey. Porém Jarbas, o chaufeur da família
Bulhões, perderá o emprego. A menos que continue a serviço do clã
para abrir e fechar portas.
*
Marcelo
Sguassábia é redator publicitário. Blogs:
WWW.consoantesreticentes.blogspot.com (Crônicas e Contos) e
WWW.letraeme.blogspot.com (portfólio).
Aqui não tem a figurinha de palmas mas é tudo que você merece pela sua incansável verve, Marcelo.
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