sábado, 4 de novembro de 2017

Amanhecência


* Por Flora Figueiredo

Quero ficar só,
para respirar a estrela.
Deixar a noite escorrer a mágoa,
dissolvê-la em enxurrada.
Não deixar nada a comprimir o peito.
Quero a madrugada de tal jeito,
que a alma possa flanar sem pouso certo
e sugar o primeiro brilho esperto
de uma gota.
Beijar a pétala rota
pelo mau jeito de um espinho,
degludir devagarinho
o mel do espasmo nascente.
Quero o orgasmo
do pólen, da semente;
eu quero o sumo.
Para recompor a vida,
pra renascer o afeto,
pra retomar o rumo. 



In Florescência, 1987 

* Poetisa, cronista, compositora e tradutora, autora de “O trem que traz a noite”, “Chão de vento”, “Calçada de verão”, “Limão Rosa”, “Amor a céu aberto” e “Florescência”; rima, ritmo e bom-humor são características da sua poesia. Deixa evidente sua intimidade com o mundo, abraçando o cotidiano com vitalidade e graça - às vezes romântica, às vezes irreverente e turbulenta. Sempre dentro de uma linguagem concisa e simples, plena de sutileza verbal, seus poemas são como um mergulho profundo nas águas da vida. 


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