segunda-feira, 18 de setembro de 2017

O verso bom


A minha admiração pela obra de Jorge Luiz Borges é irrestrita e jamais escondi isso de ninguém. E nem seria necessário esconder. Praticamente todas as pessoas, através dos tempos, adotaram ídolos nos quais se espelharam, não importa de que atividade eles eram. Outrora, estes indivíduos tomados como referenciais eram guerreiros, que se destacavam em batalhas, que em defesa de princípios, quer de mera conquista de territórios.

Houve tempo em que esses parâmetros de grandeza e de eficiência foram os exploradores de terras desconhecidas e distantes, os grandes navegadores, os aventureiros que incendiaram a fantasia de gerações, notadamente dos jovens. Hoje em dia, porém, as opções são mais modestas e estão restritas a mega-atletas (que quebram recordes e mais recordes nas pistas e nas piscinas), jogadores de futebol, vôlei, basquete ou qualquer outro esporte popular e/ou astros do cinema e da música popular.

Eu, da minha parte, elegi escritores como modelos do que sempre quis ser. São os meus ídolos. E, entre eles, Borges ocupa, sem dúvida, lugar de grande destaque. Confesso ter sofrido influência decisiva do mago que tinha nos tigres, espelhos, punhais e nos labirintos verdadeira obsessão na minha forma de fazer literatura e, sobretudo, de ver o mundo. Claro que não foi só ele o meu guru. Fui influenciado, igualmente, por Machado de Assis, Fernando Pessoa, Antônio Vieira, Gabriel Garcia Márquez, Octávio Paz e tantos e tantos outros, que me indicaram caminhos a seguir e me deram aulas de lucidez e racionalidade em seus escritos.

Poeta, ensaísta e contista, o escritor argentino (para mim ele mais do que detentor de uma nacionalidade específica, é cidadão do mundo), criou um estilo literário “sui generis”, em que seus personagens mesclam situações de realidade e fantasia que nos enredam, acumpliciam e convidam à reflexão. É impossível ler algum dos seus textos sem se deter, amiúde, para refletir sobre algum dos mistérios da vida e do universo que ele aborda, mesmo que para discordar das suas colocações. E são tantos...

Gosto, sobretudo, do poeta Jorge Luiz Borges. Não que despreze o que escreveu em outros gêneros. Pelo contrário! Entendo, no entanto, que é na poesia que ele revela toda a sua criatividade ímpar e que transcende ao seu tempo e até à sua humanidade. Ascende, por intermédio dela, o panteão dos imortais, ao lado de Homero, Virgílio, Horácio, Camões e mais um punhado de gênios.

Em uma entrevista que concedeu pouco antes da sua morte, Borges destacou: “Não há nada neste mundo que se possa comparar ao poeta. Porque este vislumbra o que vai além do horizonte. E isto é o todo”. E não é?! E ele vai mais além. Considera o poeta “construtor lírico de uma humanidade melhor”. Também penso dessa forma.

Há, claro, Poesia (com “p” maiúsculo) e mero arremedo dela. Há versos marcantes, que depois de lidos nunca mais se apagam da nossa memória e outros cujo significado não chegamos jamais a apreender e que, por conseqüência, não geram qualquer efeito, por não passarem de mera pirotecnia verbal.

Há poemas que morremos de inveja por não termos sido nós seus autores e outros tantos que não passam de empulhação, sem forma e sem conteúdo. Que são palavras soltas ao léu e às vezes nem isso, ou seja, meras letras esparsas ou simples sinais gráficos. Que valor isso tem? Que sentimentos esses pseudopoemas despertam? Em mim, nenhum. Não vejo poesia nisso. Enfim... Há gosto para tudo.

Há, porém, algum critério que permita avaliar a qualidade dos versos de um poeta? Qual? Afinal, trata-se de uma avaliação tão subjetiva! O que pode me agradar, por exemplo, provavelmente desagrade à maioria e vice-versa. Concordo que o poeta “brinque” com as palavras e até que crie neologismos. Só não posso concordar com a violação das regras do idioma, a pretexto de se fazer poesia. Muitos agem assim e querem se impor como poetas. Não são! E se o forem, são de quinta categoria.

Borges escreveu a respeito: “Um verso bom não pode ser lido em voz baixa – ou em silêncio. Se isso for possível, então o verso não vale a pena, pois um verso sempre exige sua pronúncia. O verso nos faz lembrar que, antes de arte escrita, foi uma arte oral; o verso nos lembra que inicialmente foi um canto”. E não tem razão? Originalmente, a poesia foi um canto. A musicalidade ainda hoje é fundamental. Portanto, está aí um bom critério de avaliação de versos. E quem faz essa afirmação não é nenhum poetastro, convenhamos, mas um dos mais criativos e marcantes poetas dos tempos modernos.

Para Borges, um poema nunca estará concluído enquanto estivermos vivos. O que parece ser um novo, é, na verdade, sempre o mesmo, posto que sob novos enfoques, com outra roupagem, outras palavras, certamente, com metáforas diversas das anteriores, mas ainda assim uma continuidade da criação original. O que se requer do poeta é disposição e, mais do que isso, coragem para continuar escrevendo esse mesmo poema até encontrar um final eloqüente e definitivo para ele. E ele jamais saberá se conseguiu concluir, de fato, ou não, o que estava escrevendo.

Borges acrescentou, a propósito: “Talvez em uma dezena de dias esse poema que passei escrevendo a vida toda se transforme em uma obra completa. Do contrário, deverei seguir pensando como Galileu Galilei, que a valentia é uma forma de lucidez”. O dele, certamente, foi complementado, e com talento, grandeza e sensibilidade.

Seus versos são impossíveis de serem lidos em voz baixa e ecoam em nossa alma vida afora. Daí Borges haver logrado aquela eternidade que todos nós, artistas, procuramos e raros (raríssimos) conseguimos alcançar: a da perpetuidade das obras. Inúmeras vezes ele afirmou que sua maior ambição era ser esquecido depois que morresse. “O tempo se encarregará de me suicidar”, afirmou, certa feita. Como, mestre?! Como esquecer o que está gravado a ferro e fogo na memória e no mais profundo patamar da nossa alma?! Borges é, e sempre será, inesquecível!

Boa leitura!


O Editor.

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