domingo, 10 de setembro de 2017

Loucura e razão



O homem dotado de grande inteligência, a considerada superior à média, desafia os estudiosos, que buscam determinar as causas dessa capacidade. Teorias vêm sendo estabelecidas, e superadas, sem que se chegue a qualquer conclusão cientificamente comprovável.

Psicólogos, psiquiatras, neurologistas, etólogos, antropólogos ou simples leigos tentam responder, de forma convincente, baseada em provas, a questão: Por que determinadas pessoas são mais inteligentes do que outras? Ou seja, por que têm raciocínio mais rápido e entendem com maior facilidade o que as cerca? Seria algum fator genético? Ou seria conseqüência de alimentação adequada, ou de estímulos durante a infância, ou do meio ambiente em que a pessoa é criada ou da forma que é educada?

Há quem ache que os bem-dotados, considerados gênios, contam com algum fator biológico especial. Mas qual ele seria, caso seja isso, realmente, o que determina sua superioridade de inteligência? O tamanho do cérebro teria alguma influência? Em caso positivo, em que medida? Quais os fatores que determinaram a genialidade, por exemplo, de um Albert Einstein, de um Beethoven, de um Salvador Dali ou de um Linus Pauling, entre tantos outros, em suas respectivas atividades? E, afinal, o que vem a ser inteligência?

No extremo oposto ao do gênio está o louco. O que vem a ser a loucura? Esse conjunto de desarranjos mentais incapacita sua vítima para as artes ou a torna mais criativa, conforme alguns sugerem? Afinal, muitos, muitíssimos sujeitos cuja criatividade brotava pelos poros, foram (ou são) atormentados por variações extremas de humor, fixações, delírios, manias e dependência de álcool e drogas.

Não me refiro, aqui, à forma popular de loucura, como o vulgo a entende, no sentido daquele indivíduo que tem comportamentos, ideias e atitudes, digamos, não-convencionais. Milhões agem assim e, no entanto, esbanjam saúde mental. A loucura a que me refiro é a doença – ou as doenças, já que são vários os desarranjos da mente (assim como os seus graus) que tornam uma pessoa incapaz, social e legalmente. Há casos e casos. Muitos artistas produziram suas melhores obras depois que manifestaram sua insanidade. Outros tantos, tiveram suas carreiras abruptamente interrompidas e acabaram confinados a manicômios, como feras ou como meros vegetais.

A loucura, através dos tempos, foi tratada de formas as mais diversas e, não raro, diametralmente opostas. Em algumas sociedades, o louco era tido como uma pessoa em contato direto e ininterrupto com os deuses e se tornava uma espécie de oráculo. Em outras, era considerado “endemoniado” e, não raro, era espancado até a morte, para que o demônio deixasse o seu corpo. Em muitos lugares o louco ainda é tratado como delinqüente, como “criminoso” (mesmo que jamais tenha agredido a quem quer que fosse) e submetido a toda a sorte de torturas e de vexames.

Por outro lado, gente séria, como Platão, por exemplo, chegou a dar a entender que toda criatividade se baseia, fundamentalmente, numa espécie de “loucura divina”. No século XIX, o psicólogo e filósofo norte-americano William James chegou a escrever o seguinte: “Quando um intelecto superior se une a um temperamento psicopático, criam-se as melhores condições para o surgimento daquele tipo de genialidade efetiva que entra para os livros de História”. Discordo.

Ulrich Kraft escreveu revelador e instigante ensaio a propósito intitulado “Sobre gênios e loucos”. No texto, apresenta uma lista de artistas célebres portadores de graves distúrbios psíquicos como os compositores clássicos Robert Schumann, Piotr Tchaikowski e Serguei Rachmaninoff; os pintores Vincent van Gogh e Paul Gauguin e os escritores Lord Byron e Liev Tolstoi. A essa lista, eu acrescentaria, por exemplo, os escritores Stephane Mallarmé, Friedrich Nietzsche, Johann Christian Friedrich Holderlin, Gerard de Nerval e Antonin Artaud, entre tantos outros.

Fico, no entanto, com a opinião equilibrada e entendida do professor e escritor Isaías Pessotti. O mestre declarou, a respeito, em entrevista publicada pela revista “Cult” em fevereiro de 1998: “Se as pessoas rotuladas como loucas foram grandes criadoras, trata-se de pessoas muito criativas que, por acidente, ficaram loucas. Ou se trata de pessoas que na situação acrítica da marginalização (como loucos) revelaram uma criatividade que a vida ‘normal’ impedia de se ver ou de se manifestar. Mas a loucura não é libertação do espírito. Muito ao contrário. É a escravidão do pensamento”.

Prefiro a lucidez. Defendo a visão positiva da vida como inspiração para as grandes obras do espírito. Remoer mágoas, frustrações, dores, rancores e tantos outros sentimentos doentios e fazer dessa tétrica mistura matéria-prima para “obras de arte”, apresentadas como delírios, uivos, pesadelos ou coisa que o valha, para mim não passa de masoquismo.

Aliás, nada é mais maluco do que a própria origem da palavra “louco”. Paradoxalmente, ela não passa de corruptela do termo “lógico”. Ora, se loucura for lógica, prefiro ser, pelo resto da vida, ilógico e contraditório. E, no entanto, mentalmente são.

Claro que muita coisa poderia ser escrita sobre o assunto, mas não me propus a escrever nenhum tratado, ou ensaio ou coisa que o valha a esse respeito. Minha intenção foi a mais corriqueira possível: a de escrever uma reles crônica, usando, para isso, o recurso que caracteriza esse gênero. Ou seja, “catando no ar” um tema qualquer, profundo ou superficial, importante ou trivial e deitar falação a respeito. E foi o que fiz, não é verdade?

André Gide escreveu: “As coisas mais belas são ditadas pela loucura e escritas pela razão”. Não sei se estas descompromissadas considerações podem ser consideradas como revestidas de alguma beleza. É provável que não. E nem a minha intenção foi essa. Estas linhas, porém, foram ditadas pela loucura (dos outros). Mas escritas (pelo menos acho que sim) por uma certa razão.

Boa leitura!


O Editor.

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Um comentário:

  1. Quando estudei psiquiatria, não vi em nenhuma aula dizerem que a loucura e a inteligência fossem excludentes uma da outra. A meu ver, são coisas separadas que não se atrapalham. Tenho um filho que é assim.

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