quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Vida perdida


A vida é o bem mais precioso que temos (óbvio), principalmente por contar com um “prazo de validade”. Ninguém sabe, de antemão, qual é o seu. Mas todos temos a íntima certeza de que um dia deixaremos este mundo misterioso, às vezes hostil, sempre fascinante, e extremamente belo. Cabe-nos, todavia, encontrar (e usufruir) essa beleza.

Alguns têm o privilégio do usufruto dessa aventura por um tempo relativamente extenso (para os padrões humanos). Meu avô paterno, por exemplo, viveu, plenamente, por 105 anos e deixou-me preciosas lições acerca da “arte de viver”. Outros, porém, sequer chegam a se desenvolver. Extinguem-se em questão de meras horas, quando não de minutos, logo ao nascer. Só temos uma grande certeza: nenhum de nós, viva o quanto viver, será poupado da morte.

O poeta suíço, Charles Ramuz, legou-nos uma afirmação sutil, posto que verdadeira, que explica nossa (pelo menos a minha) obsessão pela beleza. Escreveu: “É por tudo ter que acabar é que tudo é tão belo”. E não é verdade?! Alguém pode argumentar: “o mundo não tem apenas beleza. Abalroa-nos, a todo o instante, com o extremo da feiúra, com a maldade, a violência e o horror”. É verdade. Mas isso nem precisamos procurar. Está permanentemente ao nosso redor e desafia-nos sem cessar a nos defender ou a reverter esse quadro. Da minha parte, prefiro gastar meu tempo, escassíssimo e que sequer sei de quanto é, deleitando-me com a beleza.

A propósito, para quem não sabe, Charles Ferdinand Ramuz foi escritor e poeta suíço, nascido em 24 de setembro de 1878 na cidadezinha de Cully-sur-Lausanne e que morreu em 24 de maio de 1947 em Pully, no seu país natal. Gosto de ler, sobretudo, seus aforismos, profundos, instigantes e repletos de sabedoria, como: “A única verdadeira tristeza está na ausência de desejo”. Ou, “não basta fugir, é necessário fugir-se para o lado mais conveniente”. Ou, “sentirmo-nos inúteis é ainda pior do que nos sentirmos culpados”. Ou, “sinto que progrido na medida em que começo a não entender nada de nada”. Cada um deles mereceria um texto a parte, de análise e reflexão.

Descobri esse magnífico escritor ao consultar, certo dia, a enciclopédia eletrônica “Wikipédia”. A partir daí, busquei mais referências no Google e encontrei cerca de 196 mil! Claro que não consultei todas, mas adquiri um conhecimento para além do razoável acerca da sua vida e da sua obra.

Pois é, “é por tudo ter que acabar que tudo é tão belo”. Ouço, amiúde, dizer-se que “fulano perdeu a vida”, não no sentido da sua morte física, mas do desperdício de oportunidades. Dessa forma, passa a ser considerado por todos como “perdedor”. E é. Porquanto, quando isso acontece, é porque essa pessoa não tem garra, coragem, disposição e estofo moral para recomeçar. Enquanto estivermos vivos, não importa com que idade estivermos, sempre é possível um recomeço, para reverter imensos fracassos, transformando-os em surpreendentes sucessos.

Marco Aurélio, o imperador-filósofo romano, escreveu, em seu livro “Reflexões”, o seguinte a esse propósito, reproduzido por Jorge Luís Borges em “História da Eternidade”: “Ainda que os anos de tua vida sejam três mil ou dez vezes três mil, lembra-te que ninguém perde outra vida senão a que vive agora, nem vive outra senão a que perde. O prazo mais longo e o mais breve são, portanto, iguais. O presente é de todos; morrer é perder o presente, que é um lapso brevíssimo. Ninguém perde o passado nem o futuro, pois a ninguém podem tirar o que não tem”.

Como se vê, nenhuma perda (a não ser a da própria vida, óbvio), é irreversível. Alguma oportunidade escapou por entre nossos dedos? Corramos atrás de outras. Se não surgir nenhuma nova, elaboremos uma, com nosso esforço, empenho e imaginação. O que se perdeu foi, apenas, uma fração curtíssima de tempo, tão breve que é impossível de se medir por qualquer tipo de instrumento existente: o presente.

O passado, por seu turno, não pode ser perdido, já que não mais nos pertence. É mera peça de museu, que pode ser apreciada, mas jamais modificada. O futuro não pode ser dado como desperdiçado, pois está sempre nascendo, a cada trilionésimo de segundo ou muito menos, acenando para nós, de forma desafiadora, nos conclamando à ação. A vida, pois, só estará perdida (pelo menos potencialmente) após nosso derradeiro suspiro.

Quando nos julgarmos perdidos, atentemos para a sábia observação do imperador-filósofo: “Ainda que os anos da tua vida sejam três mil ou dez vezes três mil, lembra-te que ninguém perde outra vida senão a que vive agora...” Aprecie a beleza. Valorize-a. Crie-a sempre que puder (e sempre podemos). E tenha, a cada instante da sua vida, em mente: “É por tudo ter que acabar que tudo é tão belo”.

Boa leitura!

O Editor.



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Um comentário:

  1. O que existe em abundância não tem valor, por isso a vida dura o tempo certo, e ao final diante da escassez de tempo, queremos comer tudo gulosamente.

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