quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Férias no Sul

* Por Urda Alice Klueger

(Escrito em 1997)


Faz pouco mais de um ano que, numa mostra de cinema, revi “Férias no Sul”, filme feito em Blumenau na década de sessenta, e que na época causou um frenesi na cidade.

Vivíamos, naquele tempo do passado, sob a égide do cinema – a televisão demoraria muito, ainda, para chegar por aqui – na verdade, as pessoas só acabaram comprando televisão para a Copa do mundo de 70. Assim, nos anos sessenta, o divertimento preferido de quase todo o mundo era ir ao cinema, ao cinema que nos trazia Brigite Bardot e o capitão Custer matando índios, além de farwest famosos, como “Django e o Dólar Furado”, e o agente 007, e por aí afora. Ir ao cinema era o máximo, era ir à mais maravilhosa das fábricas de fantasias – imaginem o que foi saber-se que aqui, na nossa provinciana Blumenau, iria ser rodado um filme de verdade, um filme que seria visto por todo o Brasil!

O primeiro frissson foi das pessoas que queriam aparecer no filme: todos queriam, e não sei como é que os diretores do mesmo fizeram para chegar à seleção dos que poderiam ou não ir para a tela. Vendo o filme, agora, diverti-me um monte vendo a antiga juventude blumenauense, hoje transformada em gente sisuda e responsável, a fazer “pontas” no filme, compenetradíssima no seu papel de alguns minutos. Até o nosso austero ex-prefeito Victor Fernando Sasse, que naqueles idos deveria andar pelos vinte anos, aparece em longa cena, dançando num baile do Tabajara, o nosso clube mais tradicional.

Bem, depois do frisson das filmagens, houve o frisson de ver o filme, este muito maior, pois colocava o filme ao alcance de todos os mortais, e ninguém perderia, por nada no mundo, de ver aquele filme que se passava na nossa cidade, embora a opinião geral fosse de ele denegrira a imagem de Blumenau. Malhou-se o pau em “Férias no Sul” como nunca se tinha malhado o pau em filme nenhum, em Blumenau, nem mesmo naqueles em que Brigite Bardot aparecia nua. Lembro-me como “Férias no Sul” foi apresentado em Blumenau no Cine Blumenau, em sessão contínua para dar vazão aos quase oitenta mil blumenauenses que não perderiam de vê-lo por nada, só para depois poder falar mal. A coisa funcionava assim: abriam-se as portas do nosso maior cinema, esperava-se entrar a multidão que o encheria, fechavam-se as portas e rodava-se o filme – quando acabava, as pessoas saíam e a operação se repetia – isso por dias seguidos, sessão após sessão, sem nunca acabar a longa fila de espera que, lembro-me muito bem, ia do Cine Blumenau até onde hoje é o Banco do Brasil, uma fila de quase uns quinhentos metros. O pessoal que esperava na fila ainda não tinha visto o filme, claro – mas falava mal dele com toda a veemência, como se cada um fosse o diretor responsável. E o que é que exasperava tanto os ânimos dos blumenauenses de antanho, que tornava o filme tão terrível, que fazia com que ninguém quisesse perdê-lo?

Revi o filme faz ano e pouco, e morro de rir ao me lembrar. O famoso Davi Cardoso, aquele mesmo das pornochanchadas, mas que nesse tempo ainda filmava de roupa, vive uma cena de amor com uma moça da nossa cidade. A cena é num baile dum clube de Caça e Tiro, onde os dois se paqueram dançando, e depois dão o fora. A cena seguinte é deles voltando ao salão, a nossa linda moça loira sugerindo que teve suas roupas descompostas, e, oh! o frenesi dos frenesis: nossa atriz de um dia arruma o ombro da sua roupa, e, suprassumo da sem-vergonhice para a época, deixa ver a alça do seu sutiã!

Gente, todo o pau que se quebrou em cima do filme foi por causa dessa cena fugaz, e de uma moça acertando a roupa e deixando entrever a alça de um sutiã! O escândalo foi tão grande que essa moça, que trabalhava numa loja de calçados, teve que ir embora da cidade.

O filme, mesmo, é de uma grande ingenuidade. A tal alça do sutiã deu todo o toque picante para aquele momento de gloria de Blumenau, o de aparecer nas telas dos cinemas de todo o Brasil. Até hoje, nas rodas de pessoas de mais idade que eu, ouço falar do filme “Férias no Sul” como algo que envergonhou nossa cidade. As pessoas de hoje deveriam rever o filme, para poderem rir de seus velhos preconceitos. Quase não dá para imaginar que Blumenau, um dia, já foi assim!

Blumenau, 23 de junho de 1997.

* Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR, autora de vinte e seis livros (o 26º lançado em 5 de maio de 2016), entre os quais os romances “Verde Vale” (dez edições) e “No tempo das tangerinas” (12 edições).




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