segunda-feira, 21 de agosto de 2017

A descida do anjo


* Por Talis Andrade


Desceu um Anjo 
e cingiu-lhe a fronte 
de rosas e beijos. 
Coa madrugada, 
quando ele partiu 
nem sequer sentiu 
a ferida que sangrava, 
desde que era jovem 
e imensamente belo. 
 
No segredo do quarto, 
quando retornou a noite, 
começou a sofrer 
uma excessiva sensibilidade 
que não lhe deixava dormir. 
O corpo era todo olfato: 
as narinas aguçadas 
por estranhos cheiros 
trazidos de longe 
pelo vadio vento. 
 
Os ouvidos sondavam sons 
vindos das florestas: 
os gritos dos animais em luta, 
os gritos dos animais no cio. 
Os ouvidos sondavam sons 
dos mais profundos abismos. 
Os ouvidos detectavam estranhas falas 
de longínquos países: 
as vozes das casas vivas, 
os lareiros, os fogões acesos. 
 
A visão acordada. 
Os olhos - que se deslumbraram 
com o colorido das flores, o encanto das mulheres - 
aguardavam, no distante horizonte, 
uma aparição alada. 
 
Contraído e indefeso 
no canto da noite, 
sofria o frio 
de quem está nu, 
sofria o calor 
de quem arde 
desejoso de amor. 
 
Chegado o sétimo dia, 
ansioso pela espera, 
profanou-se com os homens 
pela desconcertante semelhança 
com o Anjo. 
E passados mais sete 
longos parados dias 
foi encontrado boiando 
no lodo resvaladiço. 
Escorria da boca 
podre sangue azul. 
A linda boca, vermelha 
de papoulas e beijos, 
ainda hoje permanece 
umedecida de pus. 
 

* Jornalista, poeta, professor de Jornalismo e Relações Públicas e bacharel em História. Trabalhou em vários dos grandes jornais do Nordeste, como a sucursal pernambucana do “Diário da Noite”, “Jornal do Comércio” (Recife), “Jornal da Semana” (Recife) e “A República” (Natal). Tem 11 livros publicados, entre os quais o recém-lançado “Cavalos da Miragem” (Editora Livro Rápido).





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