Memória
e Linguagem
* Por
Emanuel Medeiros Vieira
Quero
falar da memória não como algo mecânico, mas como base de toda a
identidade.
Memória
como instrumento de justiça e de misericórdia.
Não por acaso,
na mitologia grega, Mnemosina, a memória, é a mãe das Musas, ou
seja, de todas as artes, do que dá forma e sentido à vida.
Sim,
ela protege a vida do nada e do esquecimento.
A literatura não
deixa de ser (também) um instrumento de transfiguração de um
momento (eternizar a memória).
Uma busca de perenizar o
instante para convertê-lo em sempre.
O
ato da lembrança é ao mesmo tempo caridade e justiça para as
vítimas do mal e do esquecimento.
Muitas vezes, indivíduos e
povos desapareceram no silêncio e na escuridão.
Muitos
devem se lembrar das ditaduras que, apagando as fotografias dos
banidos querem, em verdade, apagar a sua memória.
A
memória é resistência a um tipo de violência: àquela infligida
às vítimas do esquecimento.
A
memória é o fundamento de toda identidade, individual e coletiva.
Guardiã
e testemunha, a memória é também garantia da liberdade.
A
linguagem é edificada para a construção dos textos que querem
eternizar nossa brevidade, a nossa finitude.
Como observa a
filósofa e historiadora, Regina Schöpke, “quanto mais
inconsciente ou subliminar é a linguagem, mais fortemente ela age
sobre nós, mais ela nos domina e nos dirige”.
Os
filósofos e filólogos sabem disso. Estes últimos, veem nela não
apenas uma ferramenta da razão para dar conta do mundo, mas,
sobretudo, uma segunda natureza.
“Algo que, de certa forma, produz o mundo, e não apenas o representa”, como observa a autora citada. Os gregos já enfrentavam a questão.
Nietzsche – que além de filósofo era também filólogo – chamava esse universo da linguagem de “duplo afastamento do real”, de “segunda metáfora”.
Porque aí os homens lidavam com conceitos e não
apenas com o mundo em si.
A linguagem pode ser instrumento de dominação, estimulando um preconceito racial, como fizeram os nazistas, alimentando o fanatismo e o preconceito, gerando um horror como raramente (ou nunca) se viu na História.
Todo sistema com ambições totalitárias, como
detectou a pensadora, tem necessidade de produzir um discurso, uma
mitologia e palavras de ordem.
É um exercício mental doloroso, mas assim a gente pode entender como uma cultura que produziu tanta beleza com Goethe, Beethoven, Nietzsche, Hegel, Wagner e outros, tenha mergulhado, com o nazismo, na mais profunda irracionalidade, onde o Mal apareceu com toda a sua força, ou melhor, em toda a sua plenitude.
Tento
meditar sobre esses assuntos, entre outras razões, porque a falta do
estudo da filosofia para quem tem menos de 60 anos, criou um tremendo
vácuo cultural.
Fundou-se o universo utilitário, da posse
imediata. Só vale o que tem valor contábil.
Faço minha a proclamação de Michel Foucault: “Não se apaixone pelo poder”.
*
Romancista, contista, novelista e poeta catarinense, residente em
Brasília, autor de livros como “Olhos azuis – ao sul do
efêmero”, “Cerrado desterro”, “Meus mortos caminham comigo
nos domingos de verão”, “Metônia” e “O homem que não amava
simpósios”, entre outros.
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