quarta-feira, 21 de junho de 2017

Pavoneagem

* Por Mara Narciso
 
Numa analogia a viagem, que vem de viajar, surgiu “pavoneagem”, que não está dicionarizado e vem de pavonear. “Deixa de pavoneagem!” seria o bordão de um personagem de novela. Numa busca no Google, achei apenas uma citação, num blog português.
 
O substantivo que vem do verbo pavonear é pavoneamento, que significa “ato ou efeito de pavonear-se, exibição vaidosa, ostentação” (Dicionário Online Português); “jactância, vanglória, soberba” (Dicionário Informal).
Soube da palavra durante a aula de Pilates com Fernando Pinheiro quando ele ajudava um aluno a ficar de cabeça para baixo agarrado a uma pequena plataforma apoiada no chão. Ficar suspenso no ar pela força dos braços é um ato raro, quase heroico. Foi quando Fernando falou em “pavoneagem”.
 
Vendo “Pavão Misterioso” no YouTube descubro outro mistério na música de Ednardo, vista naquela versão por quase dois milhões de internautas. Trata-se da história de um amor impossível. A letra se refere à saga de um jovem turco muito rico, que se apaixona por uma condessa e a rouba para se casar com ela. O caso faz parte da Cultura Popular Cearense, que foi contado em cordel e correu o mundo.

Vejam uma parte:

Pavão misterioso
Pássaro formoso
No escuro dessa noite
Me ajuda a cantar
Derrama essas faíscas
Despeja esse trovão
Desmancha isso tudo, oh!
Que não é certo não
Pavão misterioso
Pássaro formoso
Um conde raivoso
Não tarda a chegar
Não temas minha donzela
Nossa sorte nessa guerra
Eles são muitos
Mas não podem voar”.
 
O pavão (feminino pavoa) apresenta dimorfismo sexual e apenas os machos possuem cauda exuberante e exótica, que tem função na dança do acasalamento (Wikipédia). Junto com os gritos, serve para atrair a fêmea. Ele estufa o peito e aparece. Daí o significado de pavonear-se: caminhar com ares soberbos, como um pavão; exibir-se com ostentação; enfeitar-se com coisas vistosas; mostrar-se com vaidade; ostentar, vangloriar-se; ufanar-se; jactanciar-se (Dicionário Informal). “Aparecer com alarde e empáfia, adornar-se notavelmente (Dicionário Português online). O Dicionário Aurélio, menos humilde, se pavoneia e cita os mesmos sinônimos e mais: ornar com garridice, ensoberbecer-se, ataviar-se.

Além de arrancar as penas dos bichos para fazer fantasias, os humanos desumanos também gostam de aparecer. Raros são os importantes que não se importam com a própria importância. Outros fazem como as galinhas, para continuar no reino das aves: botam um ovinho e fazem um escarcéu, já a pata bota um ovo muito maior e fica caladinha. Coisas de quem prefere a discrição.

No mundo individualista de agora, onde quase tudo é virtual, inclusive a ostentação, é comum a procura por palavras superlativas cada vez mais hiperbólicas, numa corrida pelo sensacional, numa disputa que não termina. Há pessoas tão obcecadas em ser as melhores em tudo, que, fica difícil fugir das suas comparações. Melhor ironizar a perfeição quase divina, na qual muitos pensam ser deus e outros têm certeza. Caridade, Fé e Amor são, para essas pessoas, coisas a serem medidas e condecoradas. A ingenuidade de piadas de Joãozinho vendo um homem trocar o pneu de caminhão, “contando papo” de que tudo o que estava ali era a metade do que tinha seu pai, ficou no passado. Já a menininha de nariz empinado, que vai ver o disco-voador primeiro e se diz “insuportável”, é recente. Desculpem a repetição de ideias. Ela pode ser pedagógica para que se possa avaliar o ridículo. Inclusive o meu próprio ridículo.

O feito fala por si. Quando Cristo andou sobre as águas, multiplicou pães e peixes, transformou água em vinho, fez cego enxergar, Lázaro ressuscitar, agiu, e ao fato, nada acrescentou. Então, de gente que se pavoneia, prefiro a distância.


Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”


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