domingo, 25 de junho de 2017

Manifesto dos mortos em defesa da UERJ


* Por José Ribamar Bessa Freire


“Se o mundo vier a desaparecer, mas uma só universidade for poupada, a partir exclusivamente dela poderemos reconstruir uma grande parte do saber atual”. (Theodor Berchem, 1990)

Aos 24 dias do mês de junho de 2017, às 7h00, foi aberta no Auditório das Almas Imortais, sob a presidência de Dirce Côrtes Riedel, professora de Literatura Brasileira, a assembleia geral dos docentes que, em vida, ajudaram a construir a Universidade do Estado do Rio de Janeiro e hoje habitam a Morada do Além. Da pauta constou um único ponto: a situação da UERJ, que atravessa a maior crise de sua história com salários e bolsas atrasados, bandejão fechado, laboratórios e equipamentos sucateados, condições de estudo deterioradas, verbas de projetos de pesquisa bloqueadas, serviços de limpeza, manutenção e segurança bastante precários. “A Uerj, definitivamente, não está normal” – declarou a presidente.

Anísio Teixeira, o primeiro orador inscrito, lembrou a aula inaugural ministrada em 1952 na então Universidade do Distrito Federal (UDF), transformada depois em Universidade do Estado da Guanabara (UEG) e finalmente na UERJ, que hoje conta com 42 mil alunos, 2.600 professores e 5.800 servidores técnico-administrativos, num total de mais de 50 mil pessoas, avaliada pelos órgãos credenciados como a 5ª melhor do país e a 11ª da América Latina.  

Num aparte, Tereza Barbieri chamou a atenção para o lugar da Uerj no ranking de universidades, que não é fake como o clima de Tubiacanga, mas resultado de aplicação de critérios objetivos e mensuráveis. Acrescentou que hoje a Uerj possui cursos qualificados de graduação e pós-graduação em todos os campos do saber e que a semente plantada na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Instituto La Fayette, em 1942, frutificou.

Em seguida, Wilson Choeri registrou a construção do campus universitário inaugurado em 1976, numa área de 150.000 m², no bairro do Maracanã, Zona Norte do Rio, no terreno ocupado pela “Favela do Esqueleto”. Trata-se de um conjunto de 12 andares e 5 edifícios de apoio, pavilhão de vários pavimentos, Concha Acústica, Auditório Central, Capela Ecumênica, e Restaurante Universitário. São 300 salas de aula, 12 bibliotecas, 24 auditórios e 111 laboratórios – disse.

A palavra foi concedida ao ex-diretor da Faculdade de Ciências Médicas, Américo Piquet Carneiro, que ressaltou o papel desempenhado pelo Hospital Universitário Pedro Ernesto na formação de profissionais da área de saúde e, especialmente, no atendimento à população carente. O hospital realiza cirurgias em mais de 60 especialidades, com procedimentos sofisticados: cirurgias cardíacas, transplantes de rim e de coração.

- A Policlínica que hoje leva meu nome – disse Piquet Carneiro – é o maior posto de assistência médica da América Latina, com suas 23 especialidades médicas, atendendo em média 30 mil pacientes por mês.

- Esse patrimônio histórico, cultural e educacional pertence ao povo do Rio de Janeiro e não pode ser jogado na lata do lixo – aparteou Alexandre Adler, que exibiu carta recebida do mundo dos vivos dando conta da existência do Centro Universitário do Controle do Câncer, inaugurado em 2002. Foi apoiado por Antônio Augusto Quadra, que na ocasião mencionou a existência de inúmeros cursos de pós-graduação na área e de 53 programas de Residência Médica. Informou ainda que a Faculdade de Odontologia realiza 3.000 atendimentos odontológicos por semana, com mais de 25.000 pacientes inscritos.

Outros professores, funcionários e alunos que deixaram o mundo dos vivos deram depoimentos, cada um avaliando a contribuição dada no seu campo de saber, na formação de milhares de profissionais que atuam no Brasil e no exterior, na criação de novos conhecimentos, no ensino ministrado em vários municípios onde a Uerj instalou campi: além do Rio, Duque de Caxias, São Gonçalo, Ilha Grande, Nova Friburgo, Petrópolis, Teresópolis e Resende.

- Hoje acordei pra luta – anunciou Hélio Barreto, que comunicou haver recebido de Ricardo Zentgraf, da Eduerj, através das nuvens, o livro eletrônico gratuito organizado por Phellipe Marcel, Iuri Pavan e Mauro Siqueira com depoimentos de acadêmicos e funcionários, inclusive de outras universidades, em defesa da Uerj. Barreto se definiu como politicamente conservador, mas ao concluir sua fala, deu um abraço no estudante de medicina Luiz Paulo Cruz Nunes, assassinado em 1968 pela polícia, que invadiu o Hospital Universitário para reprimir os estudantes. “Agora A UERJ NOS UNE” – declarou.

Na sequência, José Flávio Pessoa de Barros deu informe sobre correspondência enviada pelo médico Emílio Mira y Lopez, que coordenou recentemente um ato no hall dos elevadores organizado pelo Programa de Estudos e Pesquisas das Religiões (PROEPER), quando a Uerj foi abençoada e todas as energias para ela convergiram.  

Um burburinho percorreu o Auditório das Almas. A professora Teresinha Valladares, conhecida como “La Pasionária”, fez um discurso inflamado, defendeu uma “Uerj sem muros” e exigiu a presença na próxima assembleia, a ser realizada naquele auditório, dos responsáveis pelo sangramento da instituição, nominando Sérgio Cabral, Eduardo Cunha, Luis F. Pezão, Jorge Picciani, Rodrigo Maia, Moreira Franco e Michel Temer.

- Nós exigimos a presença deles aqui, onde serão abrigados no Presídio do Além Bangu. Quanto mais rápido tomem o caminho do Além, sem passagem de volta, melhor. Que fiquem aqui e prestem contas de seus atos – discursou Valladares sobre aplausos gerais. A convocação dos citados foi aprovada por unanimidade para que sejam julgados como réus nos bancos do STJF – Supremo Tribunal do Juízo Final, onde o negócio é pra valer, sem o lero-lero de nenhum Gilmar Mendes.    

- Que os sangradores da Uerj venham para cá, mas que a universidade permaneça lá no mundo dos vivos – disse o ex-diretor da Faculdade de Direito, Isaac Benjó, que cobrou uma liminar cautelar para o pagamento do 13º. salário do ano passado, os salários atrasados e as bolsas dos alunos para evitar danos irreparáveis. – “Periculum in mora” -  declarou o jurista, o que foi traduzido como “É ai que mora o perigo”, pelo ex-professor de latim da Universidade do Amazonas, Agenor Ferreira Lima – o Agenorum.

A professora Creusa Capalbo, a última a chegar, lembrou que os signatários do manifesto, quando atuavam no plano da vida material, pertenciam a diferentes campos do saber, tinham interesses acadêmicos e políticos discrepantes e visões discordantes sobre o modelo de universidade a construir e sobre o que era melhor para o Brasil. “O conhecimento é filho do embate de ideias e não da simpatia” - disse. As divergências continuam no mundo fluídico, mas os participantes se uniram para declarar o apoio aos vivos, que lutam para impedir a morte e o sepultamento da Universidade.

O professor Jader Benuzzi Martins, físico e matemático de renome, recém chegado no último 3 de junho, fez questão de citar Theodor Berchem, ex-reitor da Universidade de Wurzburg, na Alemanha, na conferência de abertura do IX Congresso Geral da Associação Internacional de Universidades, realizada na Finlândia, em agosto de 1990, com a presença de centenas de reitores do mundo inteiro, entre os quais Ivo Barbieri.

- Se o Rio de Janeiro acabar, mas a UERJ se salvar – disse Jader - é possível reconstruir o Rio com os profissionais formados por nossa universidade, com o saber existente nos livros da Rede Sirius de bibliotecas e no cérebro de nossos pesquisadores e alunos.  

No final, foi aprovado um manifesto, convocando os presentes a apoiarem, do lugar onde estão, a greve geral do dia 30 de junho, sexta-feira, e marcha em defesa da UERJ que será realizada no dia 7 de julho, quarta-feira.  

A palavra foi franqueada aos patriarcas da educação presentes, entre os quais Maria Yedda Linhares e Tom Jobim agraciados em 1990 com Medalha da UERJ, Darcy Ribeiro, Paulo Freire, Sobral Pinto, Sérgio Arouca, Betinho, Henfil, Paulo Autran, Mário Lago, Milton Santos, Hélio Pelegrino e gente do mundo das letras, das artes e da cultura popular, com destaque para Noel Rosa, Garrincha e Didi, vestidos com a camisa da Uerj, assim como integrantes da Estação Primeira de Mangueira, Cartola e Carlos Cachaça. Assinaram o livro de presença Machado de Assis, Lima Barreto, Nelson Rodrigues e tantos outros.  Não podia faltar, é claro, o cacique Verá Mirim, da aldeia Sapukai, de Angra dos Reis, que em vida participou de inúmeras atividades na UERJ. 

A assembleia foi encerrada ao meio-dia – hora do Além - e o Taquiprati, psicografou a presente ata, cuja versão impressa será publicada em Manaus, no Diário do Amazonas, domingo, 25 de junho de 2017 e vai por mim assinada e pelos participantes presentes.  

P.S. Assinaram o manifesto, entre outros: Anísio Teixeira, Dirce Cortes Riedel, Américo Piquet Carneiro, Jayme Landmann, Italo Suassuna, Alexandre Adler, Antônio Augusto Quadra, Thomaz da Rocha Lagoa, Rolando Monteiro, Fernando Bevilacqua Tereza Barbieri, Teresinha Valladares, Roberto Lyra, Simão Isaac Benjó, Edina Mambrini, Charley Fayal de Lyra, Jader Benuzzi, Rolando Monteiro, Wilson Choeri, Hélio Barreto, Roberto Alcântara, Humberto Peixoto, Creusa Capalbo, José Flávio Pessoa de Barros.

* Jornalista e historiador.



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