domingo, 18 de junho de 2017

Adivinhe quem é o porco do Palácio do Jaburu?


* Por José Ribamar Bessa Freire


Dizem que no bairro de Aparecida, em Manaus, está a chave para desvendar a misteriosa identidade do porco que toda sexta-feira, à meia-noite, vai se alimentar no porão do Palácio do Jaburu. Ele entra furtivamente – dizem - convocado por Michel Temer, que coça-lhe a barriga e dá-lhe de comer: curé, curé, curé. Dizem que o porco rosado e enxundioso, já de barriga cheia e devidamente afagada, dorme no jardim embaixo do jequitibá, onde o Michelzinho costuma brincar cuidado pela babá paga pelo contribuinte. Dizem que de madrugada, o suíno se dirige aos fundos do palácio, mergulha no Lago Paranoá e desaparece. Dizem.

Na sexta-feira seguinte ele sempre volta, dizem, vindo não se sabe de onde, para comer, com sua boca cartilaginosa de hipopótamo, a ração de soja, milho e cereais nas mãos giratórias de Temer. Dizem que um segurança do palácio gravou a voz do presidente chamando o porco por seu nome, a primeira sílaba é inaudível, mas a última claramente é “ar”. Será que é o tal Edgar procurado pela Polícia Federal? A resposta pode ser encontrada no bairro de Aparecida, porque tudo o que acontece ou ainda vai acontecer em qualquer parte do mundo, modéstia às favas, já aconteceu lá, no meu bairro.

Dizem que o procurador geral da República, Rodrigo Janot, por analogia, conseguirá identificar a relação promíscua entre o porco e o palácio, se interrogar os velhos de Aparecida e pedir que lhe narrem, sem rodeios, as “suinosidades”, que lá ocorreram na década de 1950, quando a empresa Manaus Tramways interrompeu durante meses a transmissão de energia elétrica, mergulhando a cidade na mais negra escuridão. Foi nesse cenário de trevas que nas noites de sexta-feira começou a aparecer um porcão enorme, marrom claro, agressivo, que atacava as pessoas, semeando pânico entre os moradores do bairro.

Espírito de porco

Ninguém sabia direito de onde vinha o porco. Na escuridão da noite, ele atravessava os trilhos do bonde e, trotando como um javali, descia a rua Xavier de Mendonça, colocando em debandada crianças que brincavam de roda e velhos que jogavam dominó na pracinha em frente à taberna da dona Bati. Depois, invadia o pátio do Grupo Escolar Cônego Azevedo e de lá só saía na madrugada, em disparada, mordendo, enfurecido, quem encontrava pelo caminho. Descia a escadaria do igarapé São Vicente, mergulhava no bosteiro e sumia até a outra sexta-feira,

Havia a suspeita de que no bairro morava alguém que virava porco. Mas quem? Três moradores tinham pinta de “virador de porco”: Ceariba, vendedor de carvão, casado com dona Cotinha; Chico Procópio, solteiro, fiscal do SAPS – Serviço de Alimentação da Previdência Social, cujo jeito peculiar de andar meio saltitante, com os pés pisando em brasa, lhe conferiu o apropriado apelido de “Papagaio na areia-quente”. E Chicarruda, recém-casado, vendedor ambulante de doces. Pesquisaram a vida dos três e descobriram os grunhidos do último. 

Cearense de Baturité, Francisco Arruda – o Chicarruda – órfão desde criança, foi adotado por sua tia Donaninha. Quando ela morreu, em 1941, logo depois do enterro que assistiu compungido, mudou de mala e cuia para Manaus, com um dinheirinho que lhe deu seu tio, o comendador Ananias, o que lhe permitiu comprar um casebre de madeira e chão batido no Beco da Escola. Seu vizinho Geraldão, que hoje é meu cunhado, foi quem me contou os detalhes da história que todo o bairro conhece.

Chicarruda começou a trabalhar por conta própria, como vendedor ambulante de doces feitos por Guilhermina, dona de uma fábrica artesanal na rua Lobo D ‘Almada. Tinha para todos os gostos: brigadeiro de leite ninho, tortinha de limão, mata-fome, bolo de milho, pé-de-moleque, pudim de cocada, bolachinha de leite condensado, creme de cupuaçu, sonho de valsa, bolinho de chuva, queijadinha, beijo-de-moça, torta venturelli, pão-de-ló, broa, doce de buriti…

Chafurdar no chiqueiro

Os doces eram acomodados numa caixa retangular, envidraçada, que Chicarruda carregava pelas ruas de Manaus, anunciando sua passagem com uma gaita de boca, cujo som modulado mataria de inveja o próprio Bob Dylan. A caixa, documentada pelo traço do pintor Moacir Andrade, tinha uma tampa e quatro pernas compridas de madeira sobre as quais repousava ao parar para servir a freguesia.

O vendedor de doces passou a ser o principal suspeito quando alguém flagrou de madrugada a zeladora do Grupo Escolar, dona Zeni, que lá morava, dando “lavagem” para o porco – uma gororoba com restos de comida. Por que ele atacava todo mundo, menos aquela em cujas mãos comia? Havia ali um estranho conluio – denunciou Leonor, que viu falir sua produção de sacolé. Coincidência ou não, Chicarruda se tornou o único ambulante com permissão para entrar na escola na hora da merenda, em troca de propina paga à zeladora. Foi o primeiro monopólio registrado no bairro.

As suspeitas cresceram porque, como sabem os entendidos, todo “virador de porco” casa sempre com mulher homônima ou com alguém cujo nome tem etimologicamente a mesma raiz. Ora, a mulher de Francisco Arruda se chamava Francesca, uma bela caboquinha, batizada assim pelo seu padrinho, o italiano Nicolau Montemurro, dono de uma sapataria na rua da Instalação, para quem sua mãe trabalhava como empregada doméstica.

As evidências e os indícios eram muitos, mas o casal Arruda e dona Zeni exigiram provas materiais. Foi aí que um ousado paroquiano, o Zeca Pinto, membro do Apostolado da Oração, cujo filho Ivan havia sido mordido pelo tal porco, decidiu produzir provas.

Uma bala benta

Sexta-feira à noite, armado de uma escopeta calibre 12, Zeca Pinto se escondeu detrás de uma árvore, na mutuca, cantando baixinho o hino do Apostolado para lhe dar coragem:
- “Queremos Deus, homens ingratos, Oh Pai Supremo, Oh Redentor. Zombam da fé, os insensatos, erguem-se em vão contra o Senhor”.

Havia uma lua esplendorosa. Quando viu o porcão descer trotando a Xavier de Mendonça, Zeca Pinto disparou uma bala benta lubrificada com cera de vela do altar da Virgem de Aparecida. Atingiu a pata traseira esquerda do animal que, ferido, desapareceu para sempre no meio da noite, deixando manchas de sangue no meio da rua.

Nunca mais o porco voltou, numa coincidência com a volta da energia elétrica, quando as ruas e becos passaram a ser iluminados. No entanto, no dia seguinte, o Chicarruda apareceu com uma úlcera na perna esquerda, uma ferida brava que nunca mais cicatrizou e foi aumentando de tamanho. Taí o Geraldão que não me deixa mentir sobre essa prova fora dos autos. Ou deixa? 

Inspirado nesse exemplo, o procurador Janot pode muito bem contratar alguém para atirar no porco do Palácio Jaburu. No dia seguinte, basta ir ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e observar quem está mancando: Napoleão, Tarcisio, ou os dois cujos nomes terminam em “ar”:  Admar ou Gilmar. Precisa checar antes qual deles casou com mulher, cujo nome tem etimologicamente a mesma raiz.  

De qualquer forma, quem entrar mancando, mesmo que não se manque, esse é o que vira porco. Dizem que esse mamífero aproveita a escuridão em que mergulhou a vida política brasileira para atacar os que, como o juiz Herman Benjamin, questionam a roubalheira. Dizem que, por chafurdar na pocilga, ele fede e vive enlameado. Esse é o porco que come na mão do outro porco no Palácio Jaburu. Dizem. Só a luz pode eliminá-los. Com muito protesto de rua.  

* Jornalista e historiador.





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