terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Restaurante Leite

* Por José Calvino


“Sou negra, e daí? Que tenho eu agora de diferente na história? Virei campo de estudo...” Rosália Cristina)


A forma como o preconceito racial se expressa em cada região do Brasil é curiosa. Aqui em Recife, por exemplo, conheço muitos pernambucanos que têm preconceito de cor. Independentemente, alguns casos aconteceram no tradicional restaurante Leite. Fundado em 1882 pelo português Manoel Leite, é o mais famoso restaurante recifense. O mesmo fica na esquina da Praça Joaquim Nabuco com a rua da Concórdia.

Freqüentavam com assiduidade o badalado restaurante alguns intelectuais e figuras proeminentes da região. Por lá, o visitaram o presidente de Portugal, general Craveiro Lopes (1957), o Ministro da Guerra, general Henrique Duffles de Teixeira Lott (dizem até que o peito do general estava mais decorado do que a mesa do banquete), Juscelino Kubitschek, a condessa Maurina Pereira Carneiro, a Miss Brasil (a baiana Marta Rocha), Cordeiro de Farias, Miguel Arraes, entre outros políticos...

O restaurante Leite, com todos os movimentos políticos e crises que afligiram nosso país, chega ao século XXI com outro tratamento do que diziam ser diferente. Segundo um amigo ex-combatente, disse que certa vez um capitão do Exército, por ser negro, não foi atendido, ficando revoltado após discutir com o garçom, que ameaçou chamar a polícia. Como ficava próximo ao restaurante um ponto de táxi, o motorista negro recusou levar o capitão, alegando que só conduzia clientes brancos, por ordem do dono do Leite. O então capitão atravessou a ponte da Boa Vista e foi até o Quartel-General (hoje Hospital Militar), no Parque Treze de Maio, chamar a Polícia do Exército (PE), onde ficava uma patrulha de prontidão à disposição do IV Exército.

Foram presos o garçom e o motorista, tendo o dono do Leite evadido-se. Finalizando, transcrevo o comentário da poesia “Sou Negra, e daí?”, de Rosália Cristina. O valor da raça negra, em sua poesia, retrata a mulher negra e sua inteligência...

“Talvez, sendo eu, objeto de suas teses
percebam-me cultura viva, em pele,
antropologicamente em vida
não apenas mais uma remanescente”.


*Escritor, poeta e teatrólogo.


Nenhum comentário:

Postar um comentário