sábado, 28 de janeiro de 2017

Gare


* Por Mário Quintana


Faz tanto tempo que se está esperando
--- o trem que não vem, o trem de Belém ---
que as bagagens alheias, amontoadas
no banco, cheiram-me a poeira de séculos:
devem estar aqui, embolorando,
o caduceu de Mercúrio,
a cabeleira de Absalão,
uma peça íntima de Cleópatra,
um báculo de bispo,
uma tabaqueira de Luiz XV,
um olho de vidro,
uma fivela,
uma bolsa de água quente,
um lenço com um nó, um...
Pestanejo. Sinto-me tão infeliz...
Para que me fui meter
nesse triste inventário, meu Deus?
E, a cada suspiro que dou,
o meu anjo da guarda
perde mais uma peninha da asa.


* Poeta, tradutor e jornalista.

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