segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Tempos complexos

Por Rubens da Cunha


São tempos complexos, mas quais não foram? Talvez sejamos mais imediatistas, apenas. O atentado em Paris, visto quase ao vivo, nos dá a impressão de que estamos mais violentos. Fico pensando que impressão teremos quando os massacres no interior da Nigéria, na faixa de Gaza, na Síria, ou em qualquer outro lugar menos ocidental, também forem tratados como tragédia ou ataque à liberdade de expressão?

Assassinato é assassinato em qualquer lugar, no entanto, algumas das vítimas merecem mais destaque do que outras, obviamente, se as vítimas pertencerem ao sacrossanto mundo ocidental e rico, então eles serão heróis da liberdade.

Aquela criança assassinada pelos terroristas do exército, da religião, do tráfico, no interior do Congo ou numa favela sul-americana qualquer, nunca será galgada ao posto de herói. A mulher estuprada numa fronteira mexicana, romena, marroquina jamais será mártir da liberdade. A morte anônima, negra, faminta das periferias da China, do Paraguai, da Bolívia ou de São Paulo não entra nas estatísticas do terrorismo, não conta para o espetáculo.

Terroristas são somente aqueles outros lá do outro lado. Terroristas são aqueles que agridem nossas verdades, nosso modelo “correto e democrático” de vida. Isso é o que pensamos e defendemos, isso é o que nos torna iguais a eles: incapazes da diferença.

Somos também terroristas na medida em que aceitamos um modelo econômico e político cínico e violento. Este sistema que vende para muitos compradores um modelo, um padrão, um sonho e entrega a poucos. Esse sistema que nos faz consumidores robóticos tanto de coisas inúteis feitas com mão de obra barata de um lugar pouco turístico, quanto de alimentos cada vez piores, cada vez mais artificiais.

Nosso modelo é terrorista com os índios, com os outsiders, com os imigrantes, com qualquer um que não cumpra o modelo. Podemos não sair com bombas no corpo, ou jogar aviões contra prédios, ou fazer chacinas em nome de Alá, mas estamos todos sendo vítimas e carrascos nesse jogo político e econômico do capitalismo, que age no mundo como aquela mão descrita pelo poeta: “a mão que afaga é a mesma que apedreja.” O problema é que poucos são afagados e muitos, anonimamente, apedrejados.

* Poeta e escritor.


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