domingo, 25 de dezembro de 2016

Mudamos nós e por isso o Natal está mudando


O Natal está com os dias contados!”. Quem fez esta afirmação peremptória e, sobretudo, sombria, com ares “sapienciais” de um profeta bíblico, foi um amigo meu, desses azedos e pessimistas, que não veem, em nada e em ninguém, motivos para qualquer tipo de celebração. Por se tratar de um “zero à esquerda” (e que ele me perdoe a franqueza, mas é isso o que ele é, embora não seja, para mim, motivo para desfazer nossa amizade), meu primeiro impulso foi o de ignorar o que no momento considerei um disparate, sem pé e nem cabeça. Todavia, não sei por qual razão, aquela sua “predição” ficou martelando em minha cabeça por vários dias. Analisando as coisas com frieza, todavia, de repente a afirmação do meu esquisito amigo não me pareceu totalmente despida de sentido.

Que o Natal mudou muito, e já não digo do tempo da minha infância (de quase sete décadas atrás), mas, digamos, do início deste terceiro milênio da era cristã, é fácil de observar. Aliás, essas mudanças vêm ocorrendo num crescendo, sobretudo do início do século XX até nossos dias. Um dos escritores mais citados internet afora, neste período que antecede à celebração máxima da cristandade, é Machado de Assis. Tal citação não se deve a algum de seus incríveis romances ou de seus originalíssimos contos, mas a um poema, mais especificamente seu “Soneto de Natal”. E o que o “Bruxo do Cosme Velho”, travestido de excelente poeta (o que, de fato, também foi), expressa nos citados 14 versos dessa peça literária, transformada num clássico da nossa Literatura? Constata a “mudança” ocorrida na forma de, já não digo celebrar, mas até mesmo de encarar essa tradicional data.

Machado relata, basicamente, o empenho de um poeta para escrever um poema expressivo, quiçá definitivo, sobre o Natal. Tenta, insiste e persiste em buscar inspiração para definir o real motivo da sacralidade dessa celebração. Em vão! É quando lhe surge a dúvida (que, no entanto, não é a minha) para, “em vão lutando contra o verso adverso”, só “lhe sair este pequeno verso”: “Mudaria o Natal ou mudei eu?”. Respondo sem pestanejar, amado mestre: ambos mudaram. E continuam mudando. E vão mudar muito mais ainda, o que torna plausível a sombria previsão do meu amigo pessimista. Tudo mudou e, tirando as facilidades proporcionadas pela tecnologia, considero que todas essas mudanças foram para pior.

Mudou o mundo, cada vez mais superpopuloso, poluído, injusto e violento, que a qualquer momento pode implodir, ou explodir, eliminando para sempre a nossa espécie como já ocorreu com outras tantas. Mudou a mentalidade do homem, cada vez mais cético e egoísta, que não se dá conta da sua óbvia efemeridade e que se julga poderoso e invulnerável, esquecido que a morte pode abatê-lo no segundo seguinte. Mudaram as religiões, corrompidas pela ganância e pelo mercantilismo. Mudou a família, instituição que deu origem à própria civilização, que pouco a pouco se transforma para pior. Por isso, não é de se estranhar que o Natal também tenha mudado. Pudera! Muitos condenam, por exemplo, o fato da data ter sido apropriada pelo comércio. Isso, todavia, nem mesmo seria ruim se, simultaneamente a essa preocupação, fosse mantida sua finalidade original. Não vejo nenhuma incompatibilidade entre dar e receber presentes, entre reunir a família ao redor de uma farta mesa para confraternizar e, ainda assim, pensar no verdadeiro significado do Natal: a celebração do aniversário de Jesus. Infelizmente... não é o que ocorre. Prioriza-se o lado material, em detrimento do espiritual.

Nos dias atuais, em muitos países, os estádios de futebol vivem superlotados, no 25 de dezembro, e as igrejas andam cada vez mais às moscas. Na Premier Ligue inglesa, por exemplo, já se tornou tradicional a rodada natalina. O mesmo ocorre no futebol americano. A “religião” do homem moderno é o seu clube, não importa de que modalidade. Por conseqüência, sua “igreja” são os estádios e as quadras, onde ele esbanja ignorância e fanatismo, como se o futebol, o basquete, o beisebol, o futebol americano etc.etc.etc. fossem o que de mais sagrado existe, o máximo ideal de suas medíocres vidas. A prosseguirem e se acentuarem tais mudanças, que se tornam mais aceleradas de ano para ano, meu amigo pessimista logo, logo estará com total razão. Se a mentalidade não mudar, o Natal estará, mesmo, com os dias contados. Tomara que não! Tomara que a humanidade caia em si e mude de atitude, sem a necessidade de nenhuma catástrofe para lhe abrir os olhos. Feliz Natal a todos... enquanto ele ainda existe!!!

Boa leitura!


O Editor.

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2 comentários:

  1. Dos 7,5 bilhões de humanos, 2,2 são cristãos, dentro das várias denominações. Os outros 5,3 milhões não têm porque comemorar o Natal.

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