domingo, 18 de dezembro de 2016

Memória embotada




* Por Pedro J. Bondaczuk


A falta de memória do brasileiro – em termos quantitativos, pois as generalizações são sempre burras, como já dizia o saudoso Nelson Rodrigues – é bastante conhecida. A tal ponto, que, freqüentemente, são realizadas campanhas para a preservação dos monumentos nacionais, ou para a manutenção de museus ou, principalmente, para a valorização da obra dos grandes realizadores artísticos, científicos, políticos ou seja de que campo de atividade for.

O normal é nossos homens e mulheres brilhantes, que contribuem para a cultura e a civilização do País, serem esquecidos, tão logo venham a morrer. Ou, pior e mais cruel, quando ainda em vida e em plena atividade produtiva.

O jornal “O Estado de São Paulo” encomendou, há mais de duas décadas, ao Instituto Gallup, uma pesquisa de opinião, que foi publicada em 31 de janeiro de 1994, sobre as dez personalidades masculinas e as dez femininas que o brasileiro mais admirava no mundo. Apesar de muito antiga, essa consulta popular se presta a análises e conclusões.

Foram entrevistadas, na oportunidade, 2.546 pessoas, das mais variadas profissões, classes sociais e níveis culturais e de renda, em 159 cidades, de 21 Estados. O resultado mostrou, sobretudo, a grande influência da televisão, o que pode ser bom ou ruim, dependendo do uso dado ao veículo e da ênfase que a TV dá ao que informa ou veicula. A internet, na oportunidade, ainda não era popular e as redes sociais nem mesmo existiam.

As respostas não foram induzidas. Ou seja, o pesquisado tinha que lembrar, sozinho, dos nomes. Entre os homens, apenas quatro brasileiros eram admirados por seus conterrâneos: Pelé (6º), Roberto Carlos (7º), Sílvio Santos (8º) e Tarcísio Meira (9º).

Onde Betinho, Jorge Amado, Chico Buarque, Milton Nascimento, nossos cientistas, artistas, atletas etc? Não apareceram. Ninguém se lembrou deles. Os escolhidos, no mundo todo, foram, pela ordem: Papa João Paulo II (1º), Michael Jackson (2º), Fidel Castro (3º), Sylvester Stalone (4º), Mikhail Gorbachev (5º) e Arnold Schwarzenegger (10º).

A mulher mais popular foi Margaret Thatcher. A primeira brasileira, das quatro votadas, foi Xuxa (3º) e as outras três foram Fernanda Montenegro (4º), Cláudia Raia (7º) e Vera Fischer (9º). Elas ficaram atrás, além da citada “Dama de Ferro” inglesa, de Maddona (2º), Madre Tereza de Calcutá (5º), Lady Diana (6º), Rainha Elizabeth II (8º) e Elizabeth Taylor (10º).

Se a pesquisa fosse feita hoje, certamente, as mudanças não seriam pequenas, embora as atividades dos que fossem lembrados não sofreriam (acredito) grandes mudanças. Os nomes (alguns, ou quem sabe, todos), seriam, certamente, diferentes. Mas os escolhidos, não tenho dúvidas, seriam, na grande maioria, cantores (as), atores e atrizes de cinema e da televisão, modelos em destaque e um ou outro desportista. Não que suas atividades não sejam importantes, longe disso. Todavia, mais uma vez, não tenho dúvidas, ficariam de fora cientistas, escritores, compositores e tanta gente importante e notável, indispensável ao país e ao mundo.

O resultado dessa pesquisa de tantos anos atrás, do Gallup, destaque-se, não foi nenhuma tragédia. Quando muito, reflete a falta de cultura e a alienação da nossa população, notadamente a mais jovem, que não freqüenta (pelo menos com a assiduidade que seria desejável) o chamado “Planeta Guttenberg” (o da leitura), que o canadense Marshall McLuhan garantiu, nos anos 60, que estava no fim. E parece caminhar, salvo engano, celeremente para isso...

Destaco que não tenho nada contra a televisão, o rádio, a internet, as redes sociais e vai por aí afora. Seria enorme burrice da minha parte se tivesse. Pelo contrário, considero esses veículos utilíssimos e não conseguiria mais passar sem eles. O que me incomoda é a preguiça da imensa maioria de pensar “com a própria cabeça”.  E, principalmente, de não valorizar devidamente quem deveria ser valorizado, mas não é. Também admiro as personalidades citadas nesta antiga pesquisa, mas não “só” elas e nem na ordem em que apareceram. Fico com a impressão que há uma injusta inversão de valores. Tomara que eu esteja errado!!!!            

 
* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk



Um comentário:

  1. O povo conhece o que a mídia joga no colo dele. "Não perdeu a graça" de Luan Santana acaba de ganhar como música do ano. Isso responde quase tudo.

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