quarta-feira, 23 de novembro de 2016

“Eu sei que vou te amar, por toda a minha vida eu vou te amar” (Vinícius de Morais)


* Por Mara Narciso


O mar, essa imensidão de água que parece não ter fim, impacta, hipnotiza e exige respeito. É amor antigo de mineira que o conheceu aos oito anos de idade. Agora está diante dos meus olhos, depois de 740 km de viagem terrestre. Olho para ele e sinto o peito apertar de contentamento, lágrimas brotarem, sentimento que me vem em todos os retornos. A forte emoção vem matando, pois “é doce morrer no mar” (Dorival Caymmi), e mais doce é viver diante dele, o mar-oceano da Bahia. Ao sul de Ilhéus está o município de Una e sua singela Ilha do Desejo. Uma placa à esquerda denuncia o lugar. Uma estradinha de areia leva ao estacionamento. Carros não entram na ilha, exceto veículo intruso, conduzido por motorista abusado. Deixo o carro, invado o mangue, atravesso-o por sobre uma ponte que, na maré cheia é lambida pelas águas do mar misturadas com as do Rio Acuípe, e na maré seca vejo caranguejos de pernas vermelhas em atitude arisca. Chego à varandinha de madeira, nas bordas do mangue onde pego uma pequena balsa manual (o atravessador segura-se numa corda amarrada nas margens e conduz a embarcação) e em três minutos atravesso o rio, alcançando meu destino.

Desembarco no jardim da pousada, vejo à direita um quiosque de palha onde funciona um bar e construções de diversos feitios de forte cor avermelhada. Passo por uma pequena cancela à direita e entro na casa avarandada onde ficarei por cinco dias. O lugar é rústico e espaçoso, com a cara grudada no mar. É feito um clube. Tem um amplo quintal de coqueiros e uma churrasqueira com visão panorâmica. É noite, mas corro para ver meu amor, para sempre belo. Não é preciso ir à praia, pois ela está ali. É colocar a roupa de banho e ficar na varanda bebendo rios de água de côco, apreciando o mar, com o “chuá, chuá que tão bem o caracteriza”. Brisa marítima, sol forte, chuva esparsa, areia fina, pouca gente, quase ninguém. Tudo o que preciso está na paisagem: coqueiros numa ilha quase deserta, que tem poucas dezenas de casas. Um lugar de nome idílico, onde posso me encontrar comigo mesma, refletir sobre o começo e o fim, ou não fazer nada, nem mesmo pensar, saboreando belezas quase intocadas, tendo por moldura apenas areia, céu e mar.

Saio de manhãzinha ou à noitinha, caminho pela praia de um extremo ao outro sem encontrar nada, nem mesmo pegadas, ouço a revoada dos periquitos, outros moradores do mangue, aprecio fundo aquele mar com água de cor mutante, conforme faça chuva ou sol. Deixo a civilização por momentos, tento uma vida natural, mas vontades díspares me invadem, fujo do meu ideal, produzo lixo. A intermitência da internet me obriga a buscá-la pela praia, e, embora tenha deixado o consumo na cidade, sinto avidez por confortos. Jogo o relógio fora, desconheço a ausência de horário de verão, festejo a simplicidade da vida quase rural, mas quero ver o jogo entre Brasil e Argentina na televisão da pousada. São minhas ambiguidades divergindo do prazer de estar imersa na ilha.

Os universos e realidades da Bahia fazem dela um país. Quando quero ser ilha, fico, quando quero ver gente, corro para Ilhéus. Na volta, a travessia da balsa mostra a superlua a dois dias do seu apogeu, tão brilhante que ofusca as estrelas. Ilumina a ilha inteira e é possível ver ao longe como se fosse dia. Mesmo sem luz elétrica, devido a um apagão, não está escuro. A lua não deixa. Em terra, a praia está iluminada e meu coração festeja.

Dou-me esse presente. Fico sem agenda, horário a cumprir, nada a fazer e, dona do meu tempo, abraço a boa solidão, pratico o ócio, desprezo o tédio e faço tudo ou nada. Impregno-me da Santa Natureza, limpo meu corpo atolando os pés na areia fina, respiro com força o perfume da maresia, expiro meus fantasmas, curo-me. Lavo a alma nessas águas, engravido-me de bem estar, e prenhe do mar, desejo que todos fiquem como eu, nesse eterno domingo.

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”   


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