terça-feira, 20 de setembro de 2016

Coragem


* Por Evelyne Furtado


De onde estava eu vi a mulher curvada.
- Posição mais estranha! Pensei. Mas continuei observando a intimidade vizinha.

Ela abraçava a si mesma. Cabeça encostada aos joelhos, cabelos cobrindo o rosto, braços apertando as pernas.

Ficou em seu ninho por tanto tempo que meu voyeurismo cansou. Fui cuidar de outras coisas e a tarde passou.

Escureceu na janela de lá, porém a luz da noite era suficiente para ver que a mulher continuava encolhida, ainda que em outra posição.

Aquela visão me afligiu como nos afligem as dores mudas de quem se permite parar para sentir, em um mundo que nos obriga correr dos sentimentos profundos. Sem mais poder fazer, apenas respeitei.

Creio ter visto dias depois a mulher rindo na companhia de amigos em um café do bairro. Para mim se tratava da mesma pessoa em estado de alegria, em gestos soltos e expressão confiante.

A mim foi concedida compreensão de que a vida "ora aperta, ora afrouxa", como disse Guimarães Rosa e conclui que viver requer da gente a mesma coragem tanto para sofrer quanto para ser feliz.


* Poetisa e cronista de Natal/RN

Um comentário:

  1. É bom ver a gangorra que cerca a existência. Num dia sobe, no outro desce. Bela escrita sobre essa oscilação, Evelyne.
    Destaco: "de quem se permite parar para sentir, em um mundo que nos obriga correr dos sentimentos profundos."
    Eu ando com medo de pensar, por receio sobre o que tal pensamento vai me trazer de sentimento. Seja superficial, seja profundo.
    Boa conversa, poeta.

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