segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Neste dia ela chorou


Por Cristiane de Sá




Ela cheirou o cabelo dele e beijou suas costas
e disse repetitivamente que sentia saudade.
Ela pediu um abraço, ela queria tanto...
mas ela não ganhou o abraço.

Na cama dele ela adormecia como um anjo deitado de conchinha.
Para sentir um pouco do corpo dele
ela soltou o laço de seu vestido verde de flores vermelhas.
Para um encontro de costas.
Em alguns tempos, ela sentia o suor como gota,
fazendo um caminho;
no corpo dele e no dela.

Ela só queria um gesto...um gesto só de amor.
Foi quando os pés dele cobriram os dela,
quando ela sentiu o outro...
e ela sorriu em silêncio no quarto escuro.
Ela sentiu os dedos dele sentindo os dela
Foi o dedo, os dedos do pé dele fazendo carinho.

Ela sentiu. Viu que ele também achava bom.
Mas foi ficando cansada...de tanto fazer carinho
nos cachos da cabeça dele.
E foi aos poucos adormecendo...adormecendo...não querendo
adormecer, porque sabia que o tempo era curto, ela dizia:
O tempo é curto.
E então dormiu e acordou. Porque foi rápido.

Ela olhou pro lado e ele estava virado para o lado dela.
Ele dormia como um anjo de cabelos negros e encaracolados...
Era lindo....
Então ela suspirou alto, pois tinha que ir mais uma vez.
Ali, naquela manhã fria e ao lado dele ela teve que partir.

Ela levantou-se, tomou um banho quente,
olhou pelos arredores para ver se via alguma coisa,
lembrou e buscou naquela gaveta de baixo.
Depois de tudo guardado,
ele levantou a cabeça e ela lhe deu um beijo debaixo do olho
Bem ali, e foi embora.

Antes que passassem dois quarteirões,
ela lembrou que algo ficava pra trás e ela voltou pra não deixar nada.
Depois ela viu que não adiantara,
havia esquecido a escova de dente.
Então percebeu que era tarde demais para aquilo acabar.

Ela amaria eternamente,
como ele ama o livro sobre nada, Caetano, Miguel Rio Branco, purê de batata e fotografia.
Ela amaria eternamente o não-fotografado.
Porque era um devir.
Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que, estava ali,
no entanto.
No entanto ele que estava ali. Tudo errou.
...Já dizia Clarice...



* Jornalista, atriz e assistente de produção cultural

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