domingo, 22 de maio de 2016

Torre de marfim


Uma discussão interminável, que já atinge algumas gerações e passa de um século, notadamente nos círculos acadêmicos, é a que se refere ao papel do escritor na sociedade e, mais especificamente, se ele deve, ou não, aderir a causas políticas ou defender determinada ideologia.

Muitos entendem que não lhe cabe transformar sua produção literária em mero material de propaganda. Não lhe cabe mesmo. Mas nem por isso lhe deve ser vedada a livre participação política. Os que integram esta corrente defendem que o escritor se encerre em uma “torre de marfim” e somente traga à baila temas eternos e transcendentais. Que aborde os problemas de relacionamento, os conflitos emocionais e os dramas psicológicos. Mas que não se meta em assuntos que não sejam da sua seara.

Outros tantos, contudo, afirmam que, antes de tudo, o escritor é um cidadão e que, portanto, tem não somente o direito, mas o dever de participar da vida política do seu país e, por extensão, do mundo.

Os dois lados, porém, erram, ao quererem impor ao literato determinada conduta. A escolha do caminho a seguir cabe-lhe com exclusividade, e somente a ele e a mais ninguém. Ou seja, a mesma liberdade que ele defende para os outros, deve lhe ser concedida,  para escolher o procedimento que melhor lhe convier.

Escritores notáveis de todos os tempos abraçaram grandes causas e nem por isso fizeram má literatura. Pelo contrário. Entre estes, pode ser citado, por exemplo, Emile Zola, com seu corajoso libelo acusatório intitulado “J’accuse”, publicado no jornal Aurore, em defesa do Capitão Alfred Dreyfus, vítima de uma armação racista (era de origem judia) que redundou em sua expulsão do exército francês e na sua prisão na temível Ilha do Diabo, na Guiana Francesa.

Outro defensor de causa política foi Victor Hugo, que acabou eleito senador na França e se destacou na vida pública por sua probidade e clarividência. Não se pode esquecer de Máximo Gorky e Vladimir Maiakowski, na ex-União Soviética. Ou, mais recentemente, nos Estados Unidos, de Gore Vidal, corajoso e ousado em suas denúncias ao governo de George W. Bush e suas mazelas, tendo em vista a redução de liberdades civis, em plena pátria da liberdade. Nenhum desses escritores, porém, teve seu talento contestado ou desmentido por causa disso.

Quanto aos que se encerraram em “torres de marfim”, poderíamos citar mais de um milhar, que com sua magistralidade e competência nos desvendaram mundos ideais e trouxeram à tona mistérios e segredos da alma. Ambas as correntes, portanto, são válidas e úteis. Ademais, o julgamento cabe (e sempre deve caber) ao árbitro supremo que de fato importa ao escritor: o leitor.

Boa leitura.

O Editor.

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Um comentário:

  1. Sem gesso, sem definições, com cada um escolhendo o que seguir, é mais fácil escrever.

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