segunda-feira, 25 de abril de 2016

Sem gritos

* Por Daniel Santos

Ele chegou à hora de sempre. E, como sempre, ela estava já na cama, não adormecida, mas de olhos fechados. Dessa maneira, ausente,  evitaria seus toques – iludia-se a mulher no casulo de linho dos lençóis.

Porque ele tinha suas urgências e, ao chegar, queria tudo a tempo e a hora. Não estivesse à mão o que pretendia, o homem tomava a seu governo o que bem entendesse, truculento, sem a menor cerimônia.

Mal a chave tilintou na porta, ela fechou os olhos e, sem nada ver,   ouviu passos que poderiam ser de qualquer um; de um ladrão, quem sabe. Depois, o jato de urina na privada e o cicio das roupas caindo ao chão.

A cama afundou com seu peso e, logo, a mão calosa imiscuiu-se sob a lingerie – mão imperativa de marido que quer e que pode. E ela permitiu. Caso o repelisse com  muxoxos, daria no mesmo: ele a tomaria.

Às vezes, sentia volúpia na sujeição. De outras, o toque pesado a intimidava. E se não fosse o marido?, perguntava-se de olhos fechados. Seria, na certa, o tal ladrão! E, aí, tamanho o medo que nem gritava.

* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.

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