segunda-feira, 18 de abril de 2016

Sem calço

* Por Daniel Santos

Na maioria, homens. Homens de todas as idades e procedências. E também mulheres, estas mais raras. Todos coxos, manquejavam com esperto talento para merecer piedade alheia – uma acusação de longa data.

Ou não era bem assim? Porque, afinal, muitos deles socorriam os  necessitados, se bem sempre mancando; segundo os detratores, para acentuarem o pessoal martírio. Reiteravam, assim, a publicidade de si.

No entanto, longe de observadores, moviam-se normalmente e, poucos sabiam, com certo alívio por escaparem do mundo da eficiência. Não conseguiam ou não queriam seguir junto; daí, o pé atrás. Ou torto.

Criaturas sem calço, amargavam geral menosprezo que evoluía a insultos, espancamentos até! Mas não reagiam, que tal lhes reforçava a condição submissa e, incrível parecesse, conseguiam tirar volúpia à dor.

Reunidos agora no mesmo pavilhão, caminham lado a lado sem tropeços, solidários entre si. Espie alguém pela fresta, voltam a manquejar. Nada infringiram, mas pedem clemência e, se conseguem, ganham o dia.

* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.

Um comentário:

  1. Há quem sinta recompensa na moléstia e assim alcança prazer no que é verdade e no que é mentira. Se em terra de cego quem tem um olho é rei, em terra de mancos, quem tem uma fábrica de bengalas ganha dinheiro.

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