quinta-feira, 28 de abril de 2016

O sexo à luz da doutrina duñesca

* Por Marcelo Sguassábia


Antes de mais nada, à luz da nossa doutrina, o sexo é feito no escuro. A visão das vergonhas alheias, ainda que entre marido e mulher, é experiência hedionda e desaconselhável. Na impossibilidade de penumbra, o par se obrigará a praticar o chamado coito vestido, em traje esporte fino acrescido de luvas e tornozeleiras. Um edredon ou outro artefato do gênero carece de ser providenciado para cobrir o casal da cabeça aos pés, até que o ato se consuma da forma mais recatada e discreta possível.

A luxúria, ou seja, o comportamento libertino e pecaminoso, deve ser evitado a todo custo - mesmo que só em pensamento. Nas preliminares, nos finalmentes e especialmente durante a coisa em si. Essa instrução pode parecer a princípio paradoxal, já que para a maioria das pessoas o intercurso sexual é resultante do desejo recíproco entre as partes. Assim, recomenda-se, segundo o Venerável Duña, buscar excitação suficiente apenas para que os aparelhos reprodutores desempenhem satisfatoriamente sua função. Nem mais, nem menos que isso. E que essa excitação fique somente no terreno tátil, jamais no psicológico, na verborragia chula, nas variações de posição ou quaisquer outros artifícios de que se possa lançar mão para transformar o ato reprodutivo em prazer bestial.

Homens e mulheres duñescos são seres irreversivelmente castos. O batismo nas águas da pororoca fazem dos seguidores de Duña uma casta moralmente exemplar. Se eventualmente colocam-se uns sobre os outros, em estranhos e ritmados movimentos, como se estivessem travando uma luta sem sentido aparente, é no intuito exclusivo de trazerem ao mundo novos seres iluminados. Crianças que, uma vez paridas, precisam ser imediatamente encaminhadas ao nosso imaculado Oráculo para a unção em óleo bento, conforme preconizam os cânones de iniciação no tatame consagrado.

Os fiéis de ambos os sexos que cumprirem aquilo que Duña, o Perfeito, orienta sobre o assunto, não precisarão provavelmente de qualquer ajuda externa ao longo de suas vidas, seja para dirimir dúvidas ou curar doenças nas partes baixas. Caso se faça necessária uma intervenção psicológica, clínica ou cirúrgica que restabeleça um sadio padrão de normalidade, o Duña em pessoa deverá ser consultado, nunca os ginecologistas, urologistas, sexólogos, terapeutas alternativos e assemelhados.

Sendo a prática sexual tolerada apenas para a perpetuação da espécie, ao atingir um número razoável de filhos a atividade deve cessar por completo. Um legítimo discípulo de Duña respeita e glorifica as tábuas sagradas que a beata Constantina Eufrózia recebeu das mãos do Mestre durante a décima-nona Pamonha Fest de Xique-Xique, no glorioso ano de 1941. Seus preceitos orientam o rebanho da Divindade Maior a lidar com o sexo de maneira cívica, sem sentimentos de culpa ou outros transtornos mais sérios de consciência. Observando, evidentemente, a abstinência total entre o nascer do sol e o poente, e do poente à aurora do dia seguinte.

* Marcelo Sguassábia é redator publicitário. Blogs: WWW.consoantesreticentes.blogspot.com (Crônicas e Contos) e WWW.letraeme.blogspot.com (portfólio).





Um comentário:

  1. Casais que se descubram estéreis não praticarão sexo, como também aquele casal cuja mulher chegar a menopausa. Nessa concepção (sem concepção, logicamente), sexo é o mal da humanidade.Abaixo o sexo duñesco! Viva Marcelo!

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