sexta-feira, 22 de abril de 2016

A Fundação da Academia


* Por Josué Montello


A idéia da criação de uma Academia de Letras no Brasil, nos moldes da Academia Francesa, não teve a inspirá-la o espírito de iniciativa daquele que seria, como seu primeiro presidente, o principal responsável pela sobrevivência e pelo prestígio do novo instituto.

Com efeito, não se pode incluir Machado de Assis entre os idealizadores da Academia. Este papel cabe, em épocas diferentes, a Medeiros e Albuquerque e a Lúcio de Mendonça. Entretanto, pode-se afirmar, com segurança, que, sem a figura de Machado de Assis, a idéia não se teria concretizado.

As origens da Academia Francesa, no dizer de Voltaire, não foram de ordem intelectual e sim de ordem cordial, como um círculo de bons amigos. Os requisitos de ordem intelectual vieram depois, no aprimoramento gradativo da corporação, sem que esta perdesse, no entanto, na escolha de seus novos membros, o sentido da cordialidade que inspirou a formação do pequeno cenáculo em casa de Valentin Conrart.

Nossa Academia, bem examinada nas suas origens, constituiu-se também sob a inspiração da afinidade de sentimentos. Não constituíra exagero afirmar que sob certos aspectos, no que concerne às suas raízes, ela decorre mais da geração boêmia que fez a Abolição do que do grupo de altos espíritos que moldou a consolidação legislativa de seus estatutos.

Graça Aranha, testemunha do nascimento da Academia, disse que ela, "oriunda de um pacto entre espíritos amigos, hauriu nesta inspiração original a força intrínseca de que se mantém, e se vai transmitindo às gerações que se sucedem".

Ao contrário do que ocorre na Academia Francesa, sempre pendente de algumas vontades firmes que orientam as deliberações do instituto, nossa Academia habituou-se a prescindir dessas vontades individuais, que não se compaginam com as tradições da Casa.

Há ali quarenta companheiros, comumente identificados no gosto das boas letras, sem chefes de grupos nem líderes evidentes.

Ninguém comandou jamais, de modo ostensivo e pessoal, os destinos da Academia Brasileira. Não houve um tempo em que, na Academia Francesa o gênio de d'Alembert, assistido por Madame de Lespinasse, exerceu influência tirânica sobre os companheiros? E Voltaire, com toda a universalidade de seu gênio, não se viu compelido a abrigar-se sob a proteção de Madame de Pompadour, para eleger-se acadêmico? E não é verdade, ainda, que, desde os tempos de Richelieu, só se pode ser acadêmico, na França, andando em boas graças oficiais? Não foi assim com La Fontaine? Não foi assim com Chateaubriand? E não foi assim, ainda recentemente, com Paul Morand, cuja condição de antigo colaboracionista lhe cerrou por largo tempo a porta da Academia?

A Academia Brasileira, nesse, e ainda em outros pontos, divergiu de seu figurino, a começar pela autonomia das deliberações do instituto.

Só uma influência decisiva se observa no curso de sua evolução: a de Machado de Assis. Influência habilíssima, mais sugestão que ordem, menos determinação que alvitre. Depois dele, ninguém mais desempenhou esse papel de líder, a não ser, de relance, um de seus herdeiros diretos no plano da vida acadêmica: Mário de Alencar.

Na fase inicial da Academia, a geração boêmia plasmou a amizade que uniu a maior parte dos companheiros. Coelho Neto, Bilac, Araripe Júnior, Patrocínio, Murat, Valentim Magalhães, Aluísio e Artur Azevedo, Guimarães Passos, Raimundo Correia, Alberto de Oliveira, Medeiros e Albuquerque, Pedro Rabelo e Filinto de Almeida pertenceram à plêiade de espíritos desprendidos e joviais que a afeição aproximou, antes da identificação definitiva na cordialidade da Academia.

Machado de Assis, José Veríssimo, Joaquim Nabuco, Lúcio de Mendonça, Rodrigo Otávio e Inglês de Sousa - para lembrar apenas os que mais se destacaram em realizar o pensamento comum - trouxeram à idéia da corporação literária a porção de austeridade e a constância de propósitos com que se consolidam as instituições de sua espécie.

Mesmo no caso deste grupo, foi a amizade que uniu e identificou seus componentes, no período que imediatamente precede a criação da Academia. Basta lembrar a importância, para essa criação, dos jantares promovidos pela Revista Brasileira, ao tempo em que José Veríssimo a dirigiu.

(O presidente Machado de Assis, 1961. 2ª ed., 1986.)



* Jornalista, professor, teatrólogo e escritor, membro da Academia Brasileira de Letras.

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