quinta-feira, 31 de março de 2016

Quem mandou ser babaca?

* Por Gustavo do Carmo


Depois de quase vinte anos de espera, cobranças familiares e crises de raiva, choro e ansiedade por não conseguir defender seus argumentos de não trabalhar no que os pais desejavam e de ser esnobado pelos ex-colegas de faculdade e ex-amigos virtuais, chegou a vez de Aston brilhar.

Seus microcontos postados no Twitter começaram a pipocar entre as celebridades e ele sentiu o gosto doce do sucesso, aos 39 anos. Começou quando foi seguido por um ator de novelas das seis. Depois por uma jornalista de um canal a cabo. Estes fizeram a propaganda boca a boca. E, em uma semana, o seu perfil, que por cinco anos não passava de 450 seguidores, chegou a 2 mil. No final do mês já tinha 20 mil. As visitas do seu blog de contos também dispararam de 100 por dia para 100 mil.

Aston foi procurado por diversas editoras para publicar seus contos, inclusive algumas que rejeitaram os originais  para republicar o seu primeiro livro de contos, boicotado pela editora que o diagramou e imprimiu. Esta também o procurou.

E ele optou pela única para a qual nunca tinha mandado textos. Era de São Paulo. Não chegou a ganhar adiantamento, mas só de conseguir relançar o tal livro boicotado pela editora da Lapa, no Rio, já foi um grande negócio. 

A coletânea fez muito sucesso. Vendeu  um milhão de exemplares. Rapidamente lançou uma segunda reunião dos seus contos, de igual repercussão. Aston lançou um romance inédito que estava inacabado. Ele só pretendia terminar se já tivesse uma editora. E assim foi feito. Teve vinte milhões de unidades vendidas e 20 edições.

Recebeu convites de produtores de teatro, cinema e televisão para adaptação de seus contos e o romance. Aliás, relançou o primeiro livro que escreveu. Agora com consultoria do dono da editora, um ex-jornalista de televisão, que corrigiu os erros infantis. O resultado? O livro mais vendido durante um ano.

Aston ficou rico e famoso. Libertou-se das cobranças do pai, que queria vê-lo funcionário público. Ficou imune às ironias e humilhações da irmã, que o chamava de desocupado. Quase matou a mãe de orgulho.

O filho preferido de Dona Gelma, já octogenária, ainda lhe pagou uma dama de companhia, além de uma cozinheira e uma arrumadeira para cuidar do seu novo apartamento na Barra da Tijuca, onde Aston passou a morar com a mãe, após quase quarenta anos morando em Bonsucesso.

Conheceu belas mulheres, dormiu com algumas e engravidou Hérica, que deu à luz um menino, chamado Martinho. Aston não era feio, mas também não era um galã. Era moreno e tinha nariz grande. Aparência que lhe dava uma fisionomia árabe. E também já estava um pouco gordinho. 

Graças ao sucesso, Aston também passou a ser procurado por organizadores de feiras de livro do mundo inteiro, palestras, festas literárias de todo o país, pela imprensa para dar entrevistas, pelos seus ex-colegas de escola, faculdade e pós-graduação e até ex-amigos virtuais com quem tinha rompido.

Participou dos eventos com todo o prazer. Nunca tinha viajado tanto. Nem quando passou um mês na Europa com a irmã e teve que enfrentar sete voos e seis viagens de trem. Realizou outro sonho da sua vida: viajar a trabalho.

Para a imprensa deu entrevistas a jornais, portais de internet e rádios do Rio, São Paulo e várias cidades do Brasil e também de Portugal, além da televisão. Mas começou a pôr em prática um boicote que sempre teve desejo de fazer. Não dava entrevistas para jornalistas cariocas que se mudaram para São Paulo ou programas produzidos em São Paulo pela única emissora carioca do país.

Dava desculpas. Dizia que era muito tímido. No início, os produtores relevavam e atendiam as suas exigências. Porém, depois, perceberam o seu estrelismo. E começaram a reduzir os convites.

Com os ex-colegas de escola fundamental e ensino médio, Aston até tratava muito bem quando os encontrava pessoalmente. Dava autógrafos, tirava selfies e respondia e-mails. Deu uma palestra para a pequena escola onde fez o primeiro grau, em Bonsucesso.

Com os contemporâneos da faculdade de jornalismo e pós-graduação, requintou o seu plano de vingança. Não respondia a e-mails e nem a pedidos de entrevistas, já que muitos eram jornalistas. Fingia que não os conhecia quando era abordado na rua por alguns deles.

Sua carreira começou a declinar quando ele começou a ofender seus desafetos. Vomitou verdades como:
“Quando a gente estudava junto, você fazia corpo mole para fazer os trabalhos de avaliação comigo.”
“Quando a gente estudava junto, vocês me recusavam nos grupos de trabalho.”
“ Quando eu era anônimo eu te procurava e você não me respondia.”
“Você já me perguntou uma vez se eu te conhecia”.
“Quando eu era um merda vocês diziam que eu era feio e fedia.”
“Quando eu não era nada você passou a fugir de mim só para não conversar comigo.”
“Não me seguia no Twitter”,  “Me recusava no Facebook”, “Plagiou o meu conto”, “Me negou emprego”, “Fingiu que não me conhecia na rua”, “Não queria me pagar.  Agora quer produzir um curta?”  
“Agora querem entrevista?” “Querem dar para mim?”
“Vão se danar, babacas!”

Depois do desabafo os convites para entrevistas rarearam até cessarem por completo. Começou a ter o seu trabalho questionado. Críticos literários, amigos dos seus desafetos que Aston não conhecia, diziam que ele escrevia mal. Que errava muito nas regências temporais e verbais. Que repetia muitas palavras. Que tinha vocabulário pobre.

Jornais sensacionalistas o acusavam de maus tratos à mãe e a crianças, que ele assumia publicamente detestar. E também o criticavam por isso.

A divulgação dos seus livros foi interrompida. As vendas caíram. A editora rompeu o contrato. Ia ser convidado para assinar algumas colunas de jornal e enfim exercer a sua profissão de jornalista, mas desistiram. Os filmes produzidos foram um fracasso. As peças de teatro sequer viajaram. Aston perdeu a eleição para a Academia Brasileira de Letras.

Perdeu dinheiro. Ficou desempregado. Precisou vender o apartamento da Barra. Precisou dispensar a cuidadora da mãe e as empregadas. Assessor de imprensa ele nem chegou a contratar.

Aston voltou a morar com a mãe, o pai mal-humorado e fumante em Bonsucesso e o filho. Voltou a ser pobre. E agora com uma criança para criar. Hérica, que também o abandonou, deixou Martinho com o ex e foi morar na Itália com o novo marido rico que detestava crianças. Tal como Aston.

Sua carreira de escritor famoso só durou três anos. Caiu para apenas 50 seguidores no Twitter (30 só de empresas para fazer marketing) e 10 parentes no Facebook. O ator e a jornalista que impulsionaram o seu sucesso também o abandonaram. Ele teve que entender  que os outros podem ser babacas com ele e boicotá-lo. Mas ele não pode se vingar.

* Jornalista e publicitário de formação e escritor de coração. Publicou o romance “Notícias que Marcam” pela Giz Editorial (de São Paulo-SP) e a coletânea “Indecisos - Entre outros contos”.
 Bookess - http://www.bookess.com/read/4103-indecisos-entre-outros-contos/ e
PerSe -http://www.perse.com.br/novoprojetoperse/WF2_BookDetails.aspx?filesFolder=N1383616386310
Seu  blog, “Tudo cultural” - www.tudocultural.blogspot.com é bastante freqüentado por leitores



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