quarta-feira, 23 de março de 2016

Devaneios de uma roqueira 19


* Por Fernando Yanmar Narciso


CAPÍTULO 9


Barbie, Barbie... Largando uma tonelada nos comments do meu blog de novo, huh? Às vezes ela se cansa de falar só comigo e dana de escrever monólogos no meu blog. E como ‘ocêis’ tão carecas de saber, aqui na área quem monologa sou eu! Nem sei como ela conseguiu acesso à net se o celular dela continua detido lá no Ceasa but anyway...

Quem acha meus escritos exagerados precisava conhecer os traumas literários de minha prima. Dramática que só ela, podia até arrumar um empregão de novelista lá na Venezuela. (Risos) Como Barbie explicou lá no box de comentários, ela e tia Flor combinam tão bem quanto volante e vodca. ‘Num’ é só a cópia física entre as duas que impressiona à primeira vista, mas ‘tumém’ a compulsão por implicar com tudo.

Em dez minutos de lero ela ‘teceu críticas construtivas’ à minha bandana de estimação, ao monstro em minhas costas, aos brincos desbotados, à minha maquiagem que ‘num’ consegue disfarçar as sardas, à nossa magreza, à minha calça que ‘parece que foi soldada às suas coxas’, aos tênis All Star velhos e ao broche de girassol que Barbie usa no topo do chapéu- O que, apesar de ser o penduricalho favorito de minha prima e de ela o ter desde menina, ‘num’ deixa de ser um fuckin’ girassol saindo pelo topo da cabeça dela!

É impossível prever o que pode acontecer quando Bárbara visita a casa dela, mas o mesmo ‘num’ pode ser dito do que acontece no fim das visitas. Então o que me resta a fazer nesses casos é me manter na minha, respirar fundo e recitar em minha cabeça a letra de Tourette’s do Nirvana. I dunno why, mas aquela gritaria sem sentido de meu Kurt de algum jeito sempre me deixa em alfa...

Nem me lembrava há quantas semanas ‘num’ via um prato de comida de verdade na minha frente. Viver da dieta de café, abacate, pão na chapa, álcool e comprimidos mil é para poucos. Era só arroz, papa de milho e pudim de carne, mas era a última coca gelada do deserto pra nós duas. Mandei a educação fazer companhia pra Kurt Cobain lá no inferno e me esbaldei!
- Credo, Lex! Pelo menos tira o cotovelo de dentro do prato!
- Fica na sua, Barbie! Vou é estocar pro inverno!

Devo ter mesmo exagerado um tiquinho na lambança, tia Flor até veio me dar na nuca com o pano de prato...
- Ó os modos, Alexia! Aprendeu nada morando com a gente, não?
- Foi mal, tia...
- E ‘ocê tumém’, Bárbara! Já é uma afronta comer de chapéu, e ‘ocê num’ pára de tremer o garfo em cima do prato, que agonia!

Ela murmurou pelas narinas alguma coisa impossível de entender. Depois do almoço fizemos uma pequena Jam Session pra tia Flor com os violõezinhos em que a gente aprendeu a tocar. A gente ‘panha’ eles toda vez que viemos aqui e me impressiona que tia ainda os tenha guardados. Até as cordas ela troca de vez em quando. E também me espanta que ela nunca tenha limpado as gomas de chiclete mascado que eu prendia atrás do meu, do jeito que mãe e filha são tão neat freaks...
- Eu sou, eu sou, eu sou/Eu sou amor da cabeça aos pés! Eu sou, eu sou, eu sou/Eu sou amor da cabeça aos pés!
- Pode descansar em paz, Barbie, porque nem Gal Costa canta essa música ‘mió’que ‘ocê’!
- Ah, ‘num’ exagera, prima...
- Mas eu criei duas músicas de primeira grandeza! Quase chorei!
- É, tia, ‘nóis’ dá nossos pulinhos... Por onde anda a Clarissa?
- Ela vive na capital desde o começo do ano, no colégio marista, esqueceu? Tem ralado feito uma condenada pra fazer parte da equipe de ginástica do Estado.
- Vi as fotos e as medalhas dela na estante de troféus. Ela tá virando um mulherão, hem? Aposto que as colegas têm até medo dela!
- E pai?- Bárbara interveio, aposto que só pra parar de ouvir sobre a irmãzinha...- Cadê ele?
- Seu pai é... Seu pai, né? Depois que aposentou, faz dez ano que ‘num’ vê a cor do sol. Fica o tempo todo trancado no quarto com o ‘radim’ de pilha, come só mamão e pinga, ‘num’ deixa ninguém entrar... E como anda o posto?
- Nem me lembre, mãe. Detesto aquele lugar do fundo da minha alma!- Barbie meteu a cabeça entre os ombros e começou a chorar furiosamente- Detesto, detesto, detesto!! Faz meses que ninguém abastece, só aparece mendigo e drogado por lá e o prédio tá caindo em cima da gente. Hoje de manhã o Ulysses fez o favor de arrancar a pia do banheiro pela vigésima vez.
- Ulysses? Continua transando com aquele vigarista, Alexia?
- Kurt Cobain! Claro que não, né, tia? ‘Nóis’ é só amigo, mas ele continua azucrinando a gente todo dia.
- Fez muito bem em passar a rasteira nele! Aquilo ‘num’ vale um tostão furado, sô!
- Vem falar isso pra mim?
- Bom, mãe. Agora o assunto de que eu vim tratar com a senhora. O posto tá tão miserável que hoje, quando eu fui encomendar a feira pra ele no Ceasa, só tinha 100 na carteira pra uma conta de 600. Paguei um mico federal na frente de todo mundo e quase soquei a cara do fornecedor...
- Como assim ‘quase’?
- Ela tem tentado se segurar...
- Opa! Quer dizer que minha filha caipirona que vive dando cascudo em tudo que é marmanjo tá tentando virar uma pessoa civilizada, sô?
- ‘Num’ é fácil, mãe. Eu saí de lá quase vomitando os pulmão. Tive de deixar lá a bolsa com tudo dentro como garantia de pagamento. De forma que, eu vim ver se a senhora tem como me emprestar algum...
- Eu, minha filha? Olha pra mim, olha pra nossa casa! A gente já mora nesse mesmo prédio há trinta anos! ‘Nóis’ nunca conseguiu juntar o bastante pra ir embora daqui, ‘ocê’ sabe. Ainda ‘vivemo’ da aposentadoria de seu pai. Sua irmã ainda dorme no berço que era seu!
- É, pra emprestar pra filha de verdade ‘num’ tem, mas pra tirar vai saber daonde e mandar a caçula adotada pra capital, nunca falta um tostão...

Já vi de tudo na vida, mas o tom como Barbie rosnou as palavras ‘filha’, ‘adotada’ e ‘nunca’ pode causar incidentes internacionais! ‘Mió’ eu já ir me atocaiando e... Mayday, every day, my day/Could've had a heart attack, my heart/We don't know anything, my heart/We all want something fair, my heart…**
- BÁRBARA YRACEMA MOURA BERNARDES! MAIS RESPEITO COM SUA MÃE!
- É... Eu devo ter sido uma bruta decepção pra senhora, mesmo... Como a cria do seu sangue não conseguia pinotar sem cair, precisou recorrer ao sangue dos outros pra realizar seu sonho frustrado de infância, né?
- Não me faz buscar lá dentro o espera-marido, malcriada!
- Que foi? Não consegue aceitar a verdade, mãe? Você me largou, sim senhora!- Barbie veio de indicador em riste pro nariz da própria mãe, pronta pra guerra- Largou e foi caçar aquela pivetinha pra ensinar ela a ser tudo que eu quase morri tentando fazer só pra te ver sorrindo!
- Baaaaaaarbie, controla a boca, prima!

Agora danou tudo! Tia Flor puxou a filha pela gola da túnica e olhou no meio dos olhos dela com o punho erguido e fogo sendo projetado pelas pupilas. Nada como o bom e velho diálogo...

Alexia, sua não tão confiável narradora.

* Escritor e designer gráfico. Contatos:
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Conheçam meu livro! http://www.facebook.com/umdiacomooutroqualquer

**Letra de Tourette’s do Nirvana

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