domingo, 27 de março de 2016

Ciência e consciência


* Por Pedro J. Bondaczuk


A consciência é o conhecimento objetivo de tudo o que nos cerca e das informações que recebemos de várias fontes, internas ou externas. Ou seja, é o "saber que sabemos que sabemos". Parece estranho dizer dessa forma, mas é isso mesmo. Há sensações, reflexões, emoções que integram o nosso patrimônio cultural, mas que ficam escondidas em um dos substratos da nossa mente, no chamado subconsciente.

Subitamente, por alguma razão que desconhecemos, emerge, aflora, brota ao consciente, em geral nos momentos de maior necessidade. Por isso é que se diz, e com razão, que o homem ignora seu verdadeiro potencial. Outros conhecimentos – estes mais impressões dos cinco sentidos – também fazem parte do nosso acervo mental, embora permaneçam encerrados num patamar abaixo ainda do da subconsciência. Trata-se do inconsciente. Em outras palavras, é "não saber que sabemos".

Nossos sentidos são hábeis "repórteres". Captam, o tempo todo (mesmo quando estamos dormindo), um volume imenso de informações. Estas são armazenadas no cérebro e podem ou não ser utilizadas, de acordo com as circunstâncias e necessidades. Algumas são básicas, indispensáveis à sobrevivência, e são usadas quase que instintivamente. Outras, são sofisticadas, sutis, bem elaboradas, profundas e nos tornam artistas, filósofos ou cientistas.

Há os que sabem usar adequadamente esse "computador" fantástico, com que a natureza nos dotou para que, mesmo sendo um dos animais mamíferos mais frágeis, possam preponderar sobre a natureza. Outros deixam que ele mofe, embolore, crie pó.

Muitas dessas informações que captamos permanecem por anos no subconsciente, até que aflorem, subitamente, sem aviso prévio, à consciência. As sensações e emoções, por seu turno, ficam "arquivadas" no inconsciente e cobram o seu preço, quando são ruins, podendo deflagrar doenças (físicas ou mentais) muitas vezes incuráveis em nosso organismo, quando não letais.

O filósofo norte-americano Will Durant comentou, em um de seus livros: "Considere-se a consciência. Que misteriosa faculdade é esta que nos faz cientes do que estamos fazendo, ou do que fizemos, ou do que pretendemos fazer? Que percebe o conflito das nossas próprias idéias e por meio de umas critica outras? Que imagina possíveis reações e prevê resultados prováveis? Que, depois de pacientemente analisada uma situação, a atende com os recursos do pensamento e do desejo coordenados num sentido criador?".

É comum dizer-se de pessoas maldosas, que utilizam todo o seu tempo para lesar ou aborrecer outras, ou para agredir os mais fracos, ou para burlar as leis e as normas morais e que não se arrependem (pelo menos externamente) dos seus atos, que elas "não têm consciência".

Não é verdade! Possuir, certamente, possuem. O que não fazem é atender aos seus ditames. Por pior que seja, rufião, assassino, ladrão, ou tenha o defeito que tiver, esse indivíduo desajustado sabe o mal que está  praticando, embora tente se justificar diante de si e dos outros.

Quando tais pessoas são punidas, o que acontece com grande freqüência, afirmam que foram injustiçadas. Culpam os pais, as más companhias, a sociedade etc., por sua estupidez. Mas no íntimo, no fundo da sua mente, sabem que são sociopatas, quando não psicopatas.

O desajustado está consciente do seu desajuste. O que não tem é vontade, ou competência, ou ambos para se ajustar. É um indivíduo que não cultivou a pequena consciência que tem e esta se atrofiou.

O artista, em especial o poeta, desenvolve com anos de exercício a aptidão de explorar sutilmente o subconsciente à cata de emoções que lhe sirvam de matéria-prima para maravilhosas obras de arte. Sons, imagens, odores, sensações agradáveis ditadas pelos cinco sentidos, são transformados por esses criadores (que valorizam e dão nobreza à vida humana) em melodias, telas, esculturas, palavras que formam metáforas bem ajustadas e harmoniosas.

Com o talento de que são dotados, nos transmitem suas emoções, às quais agregamos as nossas, ditadas por nossa própria experiência pessoal. Percebam o sentimento que há neste poema "Invictus", de William Ernest Henley. Sintam-no, pois a poesia é feita para sentir e não simplesmente para analisar intelectualmente:

"Do fundo da noite que me envolve,
negra como o inferno de um pólo ao outro,
eu agradeço aos deuses, não importa quais,
pela minha alma inconquistável.

Dominado pelas circunstâncias,
não me rebelei nem me insurgi.
Sob os golpes do destino
minha cabeça está ensangüentada, mas não pendida.

Além deste vale de cóleras e lágrimas
cresce de forma nítida o horror das sombras,
e, no entanto, a ameaça dos anos,
agora e sempre, me encontro sem temor.

Não importa que estreito seja o portão,
como cheio de castigos e pergaminho,
eu sou o dono do meu destino:
Eu sou o comandante da minha alma".

Todos somos, em princípio, senhores da nossa trajetória pelo mundo. Ocorre que muitos abrem mão dessa prerrogativa, por não saberem fazer uso da consciência de que são dotados. Permitem que ela se atrofie, se esclerose, beire a necrose. São guiados, não guiam. São conduzidos, não conduzem. São influenciados, não influenciam. De tanto fazer concessões, abrem mão da vida, em seu sentido mais elevado: o da dignidade.

* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk



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