segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Por causa da peste, “nasceu” um clássico da poesia



O ilustre político brasileiro (que foi ministro e senador na época do Império), Marquês de Maricá, hoje mais conhecido pelos seus tantos aforismos, afirmou certa vez: “O império mais poderoso e fatal que existe, é o das circunstâncias”. Obviamente, concordo com essa afirmação. Volta e meia, em meus comentários e reflexões, refiro-me a essa implacável ditadora que, de uma hora para outra, geralmente sem nenhum aviso, muda toda nossa vida para melhor ou para pior. Não raro, fazemos tudo certinho. Somos estudiosos, aplicados, determinados e competentes em tudo o que fazemos, mas... um incidente casual, aparentemente banal, desses tais imprevistos, interfere e nos leva ao fracasso, sem que possamos reagir. Mas o oposto também acontece. Às vezes, somos premiados sem merecer.

Para quem não conhece o Marquês de Maricá – cujo nome de batismo era Mariano José Pereira da Fonseca – informo (ou lembro, para os que sabem quem foi) que, além de político e ministro da Fazenda de Dom Pedro II, foi, também, filósofo e escritor. Todavia, circunstâncias várias, que fugiram ao seu controle, fizeram com que nenhum de seus livros escapasse do absoluto esquecimento. Eu, por exemplo, que me confesso “rato de biblioteca”, não conheço nenhum. Ele só não foi esquecido por completo por causa de seus aforismos, repetidos geração após geração, e que assim chegaram até nós. Dessa forma o ilustre Marquês não foi de todo esquecido, embora seja lembrado não pelo que pretendia, mas pelo que foi ditado pelo acaso.

O filósofo inglês do século XIX, John Stuart Mill, do alto de sua experiência, ponderou: “Ainda que as circunstâncias influam muito sobre o nosso caráter, a vontade pode modificá-las ao nosso favor”. E pode mesmo. Para tanto, porém, não podemos nos limitar “só” a desejar. Temos, isso sim, que agir, e com sabedoria e eficácia, para que tal reversão aconteça. Contudo, esse tipo de ação não é comum. A tendência é aceitarmos o fracasso e partirmos para outra. Circunstâncias extremamente ruins, todavia, contribuíram para o surgimento de uma das obras literárias mais primorosas de todos os tempos, lídimo clássico da poesia. E, por conseqüência, perpetuou o nome e a obra do seu ilustre autor.

A circunstância negativa foi a pandemia de peste bubônica que em 1347 ceifou milhões de vidas através da Europa, levando caos e pavor a praticamente todo o continente. Em decorrência dela, porém, “nasceu” o livro “Cancioneiro”, conhecido no mundo todo pelos intelectuais que se prezam, sobretudo, pelos amantes de poesia. Quem transformou essa circunstância pavorosa em obra imortal (claro, pelo conceito humano de imortalidade), foi o poeta Francesco Petrarca. Como isso se deu? Explico. Em 1348, a cidade de Avignom, no Sul da França, que na época era a residência dos papas, foi atingida pela peste negra que devastava a Europa. Como acontecia em todos os lugares em que a doença grassava, os mortos somavam-se aos milhares. E não fazia distinção de sexo, idade, condição econômica, status social, enfim, de nada.

No exato dia 6 de abril de 1348, entre a enorme pilha de cadáveres à espera de serem sepultados com urgência, estava o corpo de Laura. E o que essa mulher tinha de tão especial? Ocorre que, apesar de ser casada, ela era a paixão secreta de Francesco Petrarca, solteirão empedernido (até em decorrência do voto de castidade que fizera), e que morava na mesma cidade. Não se sabe se era uma paixão somente platônica ou se caracterizada, também, por atração sexual. Afinal, segundo consta, Laura era mulher muito bonita e desejável. Quem já perdeu, por causa de morte, pessoa que amou, sabe o quanto isso dói.

Arrasado pela dor, Francesco Petrarca resolveu homenagear a amada da melhor maneira que podia: escrevendo-lhe poemas e mais poemas, num total de 366, que, reunidos, findaram por compor seu livro clássico, hoje presença obrigatória nas melhores bibliotecas do mundo. Claro que quando escreveu não pensava em sucesso, em glória pessoal, em nada, a não ser um desabafo. Por sua vontade, portanto, porque agiu, mesmo sem pensar em resultado, mudou, pelo menos em parte, as circunstâncias negativas, de uma perda irreparável, para outra que, sem saber (reitero), iria imortalizá-lo como grande poeta. Não a ressuscitou, claro, pois isso era, é e sempre será impossível. Todavia, perpetuou sua memória para todo o sempre. Não fosse seu livro, Laura seria logo esquecida por todos. Afinal, não era nenhuma personalidade de destaque sequer em Avignom. Era mulher comum, posto que bela, casada e cuja morte seria, certamente, lamentada pelo marido e por um ou outro parente e só. Quando estes também morressem, ninguém, em tempo e lugar algum, jamais saberia que ela sequer existiu.

Nem todos os poemas foram compostos só depois que a musa de Petrarca morreu. Tanto que seu livro é dividido em duas partes. A primeira é intitulada “Rimas em vida da senhora Laura”. Por conseqüência, a segunda leva o título de “Rima na morte da senhora Laura”. Nos primeiros poemas o autor dá a entender que sua musa sequer sabia que era tão amada por ele. Já na segunda, Laura é descrita como uma mulher mais terna, acessível e que velava por ele do céu. Francesco Petrarca foi figura tão notável e decisiva na história da Literatura, como expoente do Renascimento, que merece comentários à parte, por tantas e tantas outras coisas que fez além de seu livro famoso, o que me proponho a fazer oportunamente.

Boa leitura.

O Editor.

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