domingo, 28 de fevereiro de 2016

Permanente desafio



* Por Pedro J. Bondaczuk


O homem, desde o nascimento até a hora da morte, é confrontado, diariamente, por pequenos e grandes desafios. Recém nascido, é desafiado a fazer o reconhecimento do mundo ao seu redor e fixar no cérebro ainda "virgem", e portanto mais receptivo, os primeiros conceitos, que não entende, mas que ficarão gravados em seu subconsciente até morrer. Depois, é incitado pelo instinto a segurar a cabeça, a sentar, a engatinhar, a andar, a falar... Posteriormente, vem o delicioso período da fantasia infantil. Chega a época dos brinquedos, que nada mais são do que treinamentos para a realidade que o indivíduo terá de enfrentar no correr do resto da sua existência. Esta fase é seguida pela da educação. Primeiro, no lar, com os pais e irmãos, aprendendo, instintivamente, os conceitos de autoridade, dever, interação social, etc.

Mais tarde, é a hora da escola. Esta etapa começa com as noções elementares e termina com a formação universitária, que possibilita a escolha de uma atividade que se coadune com a personalidade de cada um de nós e com nossas aptidões (ou pelo menos deveria ser assim). E os desafios prosseguem vida afora. São individuais e também coletivos. Envolvem pessoas, famílias, comunidades, países ou gerações. É a sua capacidade de enfrentá-los que permitiu a esse animal estranho e frágil sair da caverna primitiva, rumo à conquista do espaço, para se tornar o mais forte de todos os seres viventes. Nenhum outro sequer se lhe aproximou. Esta criatura forçou a própria natureza e jamais se entregou ao seu rígido domínio. Aprendeu a andar ereto, desenvolveu habilidades manuais e expandiu o próprio cérebro. "Refez-se". Reconstruiu o projeto original.

Sua insaciável curiosidade levou-o a obrar maravilhas: desde a fabricação dos primeiros e rústicos instrumentos de pedra, aos reatores nucleares de hoje; dos rabiscos nas paredes das cavernas, às "rodovias de informação", que trazem o mundo todo a uma telinha em nossa casa com o simples comprimir de um botão; da descoberta da agricultura, às viagens espaciais. Claro que o homem não é perfeito. Longe disso. Ademais, não são todos que desenvolvem plenamente (alguns não o fazem sequer rudimentarmente) seu ilimitado potencial, suas aptidões. Há os que encaram e decidem aceitar todos os desafios que lhes são impostos. Mas também existem os que fogem deles, dos pequenos aos maiúsculos.

A ousadia humana não tem limites. Enrico Fermi, quando esteve no Brasil em 1931, previu, em palestra no Instituto Histórico de São Paulo: "Haverá um tempo, não muito longe, quando chegaremos a descobrir num cubo de metal do tamanho desta caixa (de fósforos) uma energia tal capaz do movimentar todos os navios, que sulcam todos os mares do mundo". Hoje isto já é possível, graças ao átomo. A antimatéria, que já foi obtida e "estocada" em eletroimãs, é mais fantástica ainda. Só não é utilizada porque implica em problemas que precisam ser resolvidos. Ou seja, traz embutido um desafio que deve ser encarado. Mas seu potencial energético é incomensurável. E, fatalmente, mais cedo ou mais tarde, será aproveitado para maravilhas tecnológicas muito mais espetaculares do que as que conhecemos.

Christopher G. Langhton previu, em 1991: "A tecnologia microeletrônica e a engenharia genética nos darão logo a capacidade de criar novas formas de vida ‘in silico’, bem como ‘in vitro’. Esta capacidade apresentará à humanidade desafios técnicos, teóricos e éticos de mais longo alcance com que já se defrontou". Claro que estes são apenas pequenos exemplos de caminhos já percorridos ou que estão próximos do homem percorrer. Há inúmeros reptos, aparentemente mais simples, e que no entanto quando os encaramos sentimos tentação de fugir, tão superiores são às nossas tendências naturais e à nossa vontade.

Entre estes, destacam-se os dos relacionamentos (sociais, profissionais, familiares ou amorosos), o do domínio absoluto dos nossos instintos mediante o autocontrole, o da fixação de um objetivo grandioso e permanente para nossas vidas, o da solidariedade se sobrepondo ao egoísmo e vai por aí afora. Somos desafiados a cada momento. Alguns desafios --- os que implicam em riscos para nossa integridade e que podem até resultar na nossa morte --- é mister que não sejam aceitos. Outros, porém, são essenciais de se encarar. Se fugirmos deles, nossa vida perderá o sentido e terá sido em vão.

Por exemplo, quando por uma infelicidade, por doença ou acidente, ficamos com alguma limitação física (paralisia infantil, hemiplegia, cegueira, surdez etc.) temos diante de nós dois caminhos. Um é aparentemente cômodo, mas de resultados desastrosos. O outro implica às vezes em esforço sobre-humano. Mas quando bem-sucedido, dá uma sensação deliciosa de vitória. O primeiro, é o da acomodação. Resulta sempre em dependência que é, entre outras coisas, humilhante. O segundo é o da reação, do esforço, da força de vontade, da superação, da autodisciplina, da garra. Nem sempre redunda em êxito, pois depende da limitação de cada um. Mas quando dá certo... O sentimento que o acompanha é indescritível. Para o bem ou para o mal, optei por este último... E que Deus tenha piedade de mim ! Mas só ele!

* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk


Um comentário:

  1. Falou bonito e falou bem,num momento em que estou precisando. Foi de ontem e li hoje. Obrigada Pedro. Preciso praticar a não auto-piedade.

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