quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Brasil desmamado


* Por Mara Narciso


Exagero dizer que o Brasil amanheceu de luto no dia 17 de dezembro de 2015. Não, nada disso, apenas perdeu a mãe nutridora, amanhecendo sem a teta gorda a qual estava acostumado a se comunicar, dar e receber e, consequentemente, a se nutrir. Cada época com seu hábito e este chegou viciando todo mundo, exceto alguns poucos renitentes. O balão verde com o telefone tornou-se o ícone mais visitado. A chamada linha direta nunca esteve tão direta. Um telefonema poderia não ser atendido, mas a mensagem pode ser vista discretamente em qualquer momento ou lugar. Uma espiadinha, furtiva, e pronto, já se sabe o que aconteceu. Rapidamente as pessoas se renderam aos apelos do WhatsApp. Quem o rejeitou devido ao irritante barulho da chegada de mensagem, colocou-o no silencioso. E foi ser feliz.

Muitas confraternizações de fim de ano não seriam possíveis sem essa importante ferramenta de comunicação ágil, fácil e barata (até o momento sem nenhuma cobrança, estando popularizada há mais de dois anos). Grupos de famílias, colegas de profissão, vizinhos, amigos, colegas de escola e ex-colegas lotaram a área. Muitas agendas de trabalho passaram a se municiar pelo WhatsApp. Além da habitual lista de contatos, alguém monta o grupo e um vai passando o telefone do outro até todos ou quase todos serem lembrados e adicionados – a palavra mágica. Num trabalho de mosqueteiros, um por todos e todos por um, o fenômeno ultrapassou as comportas e assustou o mais tímido usuário. O sistema popularizou-se de tal forma, que a palavra mensagem foi substituída pelo nome da rede social ou seu apelido “zap”.

A velocidade com a qual a informação e a desinformação correm pela rede atingiu níveis inimagináveis. Sem nenhuma censura ou moderação, tudo pode ser dito, ouvido, escrito e visto, algumas vezes de maneira irresponsável.  A liberdade encantou os usuários e na rede circulam todo tipo de foto, vídeo, áudio e mensagem. O melhor da festa não é ver os amigos, comer ou beber, é fazer a selfie para colocar no WhatsApp. A preocupação e a profusão de fotos são tão altas que se esquece até de comer, pois não se tiram os olhos da tela, sendo, algumas vezes, necessário baixar uma portaria proibindo ou até confiscando os aparelhos. Desde então surgiu uma nova maneira de contar papo: a festa estava tão boa que ninguém se lembrou do celular e nem tirou foto.

Antigamente os vendedores de amendoim nos barzinhos a beira-mar colocavam um punhado de amendoim torrado sobre a mesa, ao lado de quem bebia cerveja. Minutos depois passavam oferecendo seu produto, e a maioria dos bebedores comprava. Isso também se deu com a rede social. Devido a drástica redução de telefonemas e quase morte do torpedo ou SMS, as operadoras de telefonia entraram na justiça para suspender o serviço do WhatsApp. No dia 16 de dezembro de 2015 conseguiram uma liminar que, a partir de meia noite, emudeceu os aparelhos. Como dizia uma música antiga, “467723 ocupado outra vez”.

Na noite anterior só se falou nisso no Facebook. Muitos esperavam que algum juiz derrubasse a liminar, mas tal não ocorreu. Três horas antes da zero hora, o serviço já funcionava de forma precária, com mensagens que não chegavam ao seu destino. No momento crucial, a choradeira começou. O Brasil dormiu mudo sem o barulho tradicional da chegada de mensagens, e acordou cego sem os milhares de comunicados que ficaram na cabeça e ponta dos dedos, lá do outro lado. O que fazer com tantas falas não faladas, com tanto afeto não derramado, ou com tanto ódio não destilado?

Nas próximas horas é aprender a lidar com a abstinência da droga, com o mal estar, com a dor de cabeça, inquietude e o cacoete de a toda hora passar os dedos na tela em busca de mensagens. O Facebook antes esvaziado nas doze horas que prevaleceu o veto se encheu de desaparecidos, e o telefone voltou a sua função original: telefonar. Foi fogo de palha. Logo voltou à normalidade.

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”   



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