quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Obra-prima


* Por Pedro J. Bondaczuk


A concretização de uma obra-prima, que seja marcante e intemporal, permanente e imperecível, exata e definitiva, é a ambição de todo o artista, seja de que arte for. Claro que este também é um sonho que venho perseguindo há anos. É possível que já a tenha produzido entre os milhares de textos que escrevi e publiquei e que só não me tenha dado conta disso. O veículo que tenho utilizado, o jornal, não se presta às idéias permanentes. É produzido, consumido e esquecido com uma velocidade muito grande, que aumenta com a implantação de novas e sofisticadas tecnologias. O mais provável, porém, é que ainda esteja à espera de ser produzida, no aguardo do momento certo, da oportunidade, que a rigor me compete criar ou provocar, para vir a lume.

Fiz, durante anos, incursões pela poesia, mas obtive pouco espaço para exibir meus trabalhos e testar sua aceitação. Tive breve passagem pelo conto, mas por ser um gênero que demanda tempo para ser bem trabalhado, acabei relegando a produção de histórias --- algumas premiadas em concursos regionais --- para uma ocasião "mais propícia". Talvez esta seja uma desculpa para ir adiando uma tarefa que deveria ser inadiável. Nesse aspecto, é possível que eu venha agindo como inúmeros personagens de filmes que assisti, que sem terem escrito um único livro, tendo, no máximo, esboçado alguns capítulos ou páginas, proclamam aos quatro ventos que estão elaborando "a grande novela americana". Finda-se a história, e nada. Não tinham sequer o cacoete de escritores.

No meu caso, tenho vasta produção, mas o que falta é um veículo que lhe dê uma certa permanência, que lhe confira alguma sobrevivência. E, sobretudo, que exponha esses trabalhos à crítica que realmente importa: a dos seus destinatários finais: os leitores. Como? Da maneira mais prática possível: comprando ou deixando de comprar meus livros. Para tanto, porém, preciso publicá-los. Isto demanda tempo, paciência e muito esforço. Requer que haja oportunidades por parte de editores, coisa que até aqui não tive.

Muitas vezes, as circunstâncias ameaçam conduzir-me ao desânimo, pondo em risco de colapso o maior sonho que tenho na vida --- que confessei publicamente em recente crônica --- que é o de ser escritor. Que é o de ganhar o meu pão de cada dia com a inspiração e sobretudo transpiração advinda dessa nobilíssima tarefa de revestir idéias com palavras corretas, medidas, exatas e adequadas. O romancista sergipano, Francisco Dantas, escreveu que "a vida quebra a gente, amolece a moleira e enverga até o pensamento". O sucesso tem um preço na maioria das vezes alto demais que nem vale a pena pagar. Por enquanto, venho pagando-o, sem levar "o produto".

Minha pretensão é escrever um romance. Trata-se de empreitada que requer verdadeira estratégia de guerra. É preciso agir, em primeiro lugar, como arquiteto, para planejá-lo. Depois, como engenheiro, para calcular sua estrutura e fornecer base sólida de idéias. Depois, como pedreiro, assentando tijolo a tijolo, com sólida argamassa e com o concreto do talento. Finalmente, vem o revestimento do estilo, das palavras medidas, das tiradas inteligentes, das frases, sentenças, períodos e parágrafos sonoros, ritmados, bonitos. Como na construção de um edifício, esse processo demanda tempo e organização. Mas a sustentação da vida tem prioridade. A manutenção pessoal e da família é mais urgente e inadiável. Aí reside o conflito.

Outra luta é a travada conosco, com nossas tendências, com nossas deficiências culturais, com nossos lapsos de memória ou de observação. Machado de Assis, em crônica publicada no volume III do livro "A Semana", escreveu: "Se eu houvesse de definir a alma humana, diria que ela é uma casa de pensão. Cada quarto abriga um vício ou uma virtude. Os bons são aqueles em que o vício dorme sempre e as virtudes velam e os maus..." Por este parâmetro, estou no meio termo. Vícios e virtudes, ambos, não têm tempo para se manifestar. Escrevo no mínimo 14 horas por dia. Nas dez restantes, durmo seis e quatro dedico à higiene e locomoção.

Com toda essa jornada, estou longe da realização. Não me refiro à financeira, já que essa não vou conseguir nunca. Já estou conformado com essa certeza, até porque bens materiais nunca foram o meu fascínio. Dalton Trevisan, "o vampiro de Curitiba", constatou: "O bom escritor nunca se realiza: a obra é sempre inferior ao sonho. O escritor é irmão de Caim e primo distante de Abel". Se sou bom ou não, não tenho a mais remota noção. Mas estou muito, muitíssimo distante da realização. A obra que produzi está  mil anos-luz longe dos delirantes sonhos que acalento.



* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk


                 

Um comentário:

  1. Ser lido, agradar na forma e no conteúdo já é bom, mas é pouco. Sei do seu grau de exigência.Isso é ótimo, pois o faz buscar tal nível todos os dias. Lembre-se que a Gioconda é considerada uma obra inacabada.

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