segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

O desafio de fazer pensar


O mais belo triunfo do escritor é fazer pensar os que podem pensar”. O autor dessa declaração, ao contrário do que se possa pensar, não foi ninguém envolvido, direta ou indiretamente, com Literatura. Não teria, portanto, porque afirmar isso em proveito próprio. É certo que foi um artista e dos mais talentosos e reconhecidos. Mas de outra arte, que nada tem a ver com letras. Quem disse isso (que para os desavisados pode até soar como mera frase de efeito, sem qualquer conteúdo especial) foi o pintor francês Ferdinand Victor Eugene Delacroix, expoente do romantismo na França (e, por extensão, na Europa), que nasceu em 26 de abril de 1798 e morreu em 13 de agosto de 1863, aos 65 anos de idade.

Convenhamos, nem todo escritor tem esse talento, ou seja, o de fazer pensar aquele que pode. E, quem não pode, muito menos. Este nem mesmo o mais fantástico dos mágicos, algum Merlin magnífico e todo-poderoso, tem esse poder. Pior é quem pode pensar, mas não pensa. E o que se recusa a fazê-lo, por inércia, preguiça ou seja lá por qual motivo for. Mas fazê-lo raciocinar é, justamente, o grande desafio do escritor. E não importa a qual gênero literário recorra: quer à ficção, quer à poesia, quer ao ensaio ou quer à Filosofia. Há milhões, provavelmente bilhões, de pessoas assim mundo afora. Poderiam (e deveriam) contribuir com idéias para a evolução da humanidade, mas não contribuem.

Perguntaram-me, há já bom tempo, por que escrevo tanto, com tamanha fúria, obsessão e assiduidade. Bem, para enriquecer é que não é, pois salvo uma ou outra raríssima exceção, quase ninguém enriquece com Literatura. Aliás, economicamente, convenhamos, não é das atividades mais rentáveis. Muito pelo contrário. Então seria por vaidade? É certo que me sinto gratificado quando algum dos meus textos é elogiado (o que, felizmente, não é raro) e reconhecido como “bom”. Como “excelente”, então, é a glória (e esse qualificativo, sim, é sumamente escasso). Mas a Literatura está repleta de armadilhas. Sujeita-nos, com maior freqüência, ao ridículo, do que à consagração. Quem já passou por isso, sabe a que estou me referindo. Portanto, por mais vaidoso que eu fosse (e quem me conhece sabe que não sou), jamais recorreria às letras para colher louvores. Se o fizesse, viveria frustrado, amargurado e permanentemente triste.    

Dedico-me a esta atividade, tão trabalhosa e frustrante e tão raramente compensadora, justamente para encarar o “desafio” feito (provavelmente sem a intenção de desafiar) por Delacroix, que li, alhures, há umas três décadas. Ou seja, o de “fazer pensar os que podem”. E, se possível, os que não podem. Ou, pelo menos, aqueles que não querem fazê-lo. É pouco? Admito que é. E aqui cabe o superlativo: é pouquíssimo!!! Considero, porém, caso seja bem-sucedido, maiúscula vitória. Daí tentar, e tentar, e tentar, sem nunca saber (o escritor raramente sabe) se consegui ou não atingir meu objetivo. A presunção de sucesso, no entanto, para mim, já é recompensa suficiente.

Concordo com Monteiro Lobato quando observou que “o escritor funciona qual antena – e disso vem o valor da literatura. Por meio dela se fixam aspectos da alma de um povo, ou, pelo menos, instantes da vida desse povo”. Embora tenha a presunção de criar, o escritor não cria coisa alguma. Apenas “capta”, e retransmite, aspectos da realidade, que quem pode pensar e, quer fazê-lo, usufrui. Não tem motivos, pois, para vaidade. Até porque, mesmo que faça multidões pensarem (o que é improvável), provavelmente um dia será irremediavelmente esquecido, como milhões e milhões já o foram e milhões e milhões também o serão, mundo e tempo afora.  

E qual a recompensa do escritor por tamanho empenho, por tanta dedicação, por estafante trabalho para pesquisar, ler, redigir, revisar e desgastar neurônios e os olhos, e talvez o cérebro todo, nessa inglória labuta sem fim? A material é que não é (reitero, salvo raríssimas exceções, tão raras que não vale a pena desejar). A glória? Se vier, será efêmera e passageira, mera fumaça que se perde no ar. Caso, porém, tenha êxito, e faça multidões pensarem (e, claro, venha a saber que isso aconteceu), restará a deliciosa sensação do dever (e não imposto por ninguém, mas por si próprio, atendendo os reclamos de sua vocação) de dever cumprido. E, sobretudo, isso que a poetisa. Cora Coralina constatou: “Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina”. Para mim, isso não tem preço. Vale mais, muito mais, do que fortuna, glória e até a suposta e tão procurada “imortalidade” da memória.

Boa leitura.

O Editor.

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Um comentário:

  1. Eu leio porque aprendo, ainda que me lembre muito menos do que gostaria de lembrar.

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