sábado, 19 de dezembro de 2015

Estado de saúde e estado de nutrição


* Por Antonio da Silva Melo


Estamos habituados a admirar os povos nórdicos como especialmente sadios e robustos, certamente devido ao seu porte elevado, ao peso e ao volume do seu corpo. É provável que a sua vida fácil e regular de trabalho, a sua alimentação abundante, as medidas de higiene, os recursos empregados para evitar e combater doenças e infecções, a existência cercada de conforto e proteção sejam responsáveis por tais resultados, sobretudo evidentes na redução da mortalidade infantil e na sobrevivência do adulto até idades mais avançadas. Se isso é verdade, porém, não constitui prova de que estejamos nos tornando mais sadios, mais robustos, mais longevos ou o nosso organismo mais resistente a moléstias e à velhice. O que está acontecendo é havermos aprendido a aproveitar melhor o nosso patrimônio vital, preservando-o de ataques e malefícios prematuros. Mas, apesar disso ou justamente por isso, devemos estar perdendo terreno, com mostram a deteriorização dos nossos dentes e a nossa propensão às doenças degenerativas, cada vez mais graves e generalizadas. Nesse sentido, é preciso considerar também que o progresso da humanidade deve estar operando como uma força de seleção negativa, pois permite ou até favorece a sobrevivência de indivíduos fracos, doentes, inferiores. O pior, no entanto, é que as guerras, com os cataclismos que as acompanham, destroem principalmente os melhores elementos, os mais sadios e capazes, os moços, os resistentes, dos quais mais se podia esperar em benefício do ser humano e garantia da sua hereditariedade. Já dissemos que o número de pessoas que morrem velhas tem aumentado, mas a vida não se está tornando mais longa, antes mais precária, pois precisamos viver à custa de cuidados e paliativos. A questão foi por nós estudada anteriormente, quando comparamos a nossa maneira de viver atual à do herdeiro perdulário que dilapida a fortuna recebida. Precisamos dar mais atenção à questão, porque a moderna ciência de nutrição tem chegado a conclusões diferentes, admitindo que as chamadas classes superiores são mais sadias, mais resistentes, de estatura mais elevada e de vida mais longa, justamente graças à alimentação de que se serve e que é mais abundante, sobretudo mais rica em substâncias protéicas. Dessa maneira, tem-se chegado à conclusão de que as albuminas, principalmente as de origem animal, decidem do progresso dos povos, havendo relação direta entre o consumo de albuminas e o desenvolvimento das nações. Foi a essa opinião que chegaram numerosas autores, baseados em observações feitas através de todo o mundo e estudos experimentais realizados em diversos centros universitários. "O uso da carne fez da Inglaterra a governante do mundo durante 100 anos, enquanto ruíam as dinastias que comiam arroz." Por essas e razões idênticas, tem-se concluído que os povos que vivem de alimentação pobre em proteínas, mormente proteínas animais, não possuem a capacidade física e intelectual dos que usam abundantemente tal alimento. Diversas publicações têm procurado mostrar que o nível de vida e o progresso das nações elevam-se paralelamente ao aumento do consumo de carne pela população. Mas, certamente, tal conclusão não está muito certa, porque, se fosse assim, deveriam ter a Nova Zelândia, a Austrália, a Argentina, o Uruguai e outros países preponderantemente carnívoros a liderança do mundo, pelo menos, proporcionalmente, elevada representação em certames internacionais, que esportivos, quer culturais. O papel das proteínas é de tal ordem que já estão fixadas, cientificamente, as quotas mínimas, abaixo das quais não poderá o organismo humano funcionar convenientemente. Isso se tornou verdadeiro dogma científico, estabelecendo as quotas necessárias e invioláveis, que necessitam ser usadas pelas populações. Já analisamos minuciosamente a questão, mostrando haver em tudo isso muito exagero, pois existem outras observações demonstrando que quotas muito mais baixas do que essas consideradas indispensáveis podem manter o equilíbrio protéico, mesmo quando o organismo realiza trabalho de grande intensidade. Balanços dessa natureza têm sido realizados em países orientais, especialmente no Japão, onde os coolies demonstram grande capacidade de trabalho e grande resistência física, apesar da sobriedade da sua alimentação, constituída preponderantemente de produtos vegetais. O problema precisa ser investigado ainda com maior rigor, podendo talvez o nosso sertanejo fornecer elementos de valor para a sua solução. O que se torna necessário é realizar a investigação em ambiente apropriado, na zona em que o indivíduo vive, dentro das condições normais da sua existência, sendo que o problema assim estabelecido comporta fácil solução, pois pode ser resolvido pela simples dosagem do azoto urinário, feita seguidamente durante prolongados espaços de tempo.

Nas Olimpíadas de 1948 foram feitas análises dos alimentos usados por 28 competidores, pertencentes a oito nacionalidades diferentes, que mostraram ser a quota de calorias usadas diariamente pelos atletas menor que a da última Olimpíada de Berlim. Um mexicano consumia apenas 2.100 calorias por dia, enquanto um seu competidor inglês 4.600! Digna de menção é uma observação de McCay, realizada em alunos e empregados de um colégio de Calcutá, baseada na dosagem do azoto total eliminado diariamente pela urina. Ele encontrou uma média de quase seis gramas diários, o que corresponde a uma quota de proteínas de menos de 40 gramas, portanto, muito mais baixa que a consumida por europeus e norte-americanos. Apesar disso, como relata o autor, as pessoas examinadas estavam no gozo de perfeita saúde. Em capítulo anterior, citamos muitas observações semelhantes, em algumas das quais as proteínas usadas eram de procedência vegetal. Mas, no caso presente, tratando-se sobretudo de estudantes e universitários, informa o autor que muitos eram dos melhores das classes! É possível que razões psicológicas tenham representado aí o seu papel, como expusemos em outra publicação, estudando os motivos que habitualmente levam ao vegetarismo. Para mostrar quanto são deficientes as investigações experimentais sobre o consumo de proteínas e seus ácidos aminados, devemos citar ainda um exemplo, de data recente. De há muito, ficara provado que o valor nutritivo das proteínas varia de acordo com a sua procedência, isto é, de acordo com a qualidade e quantidade dos seus ácidos aminados, como ficou demonstrado posteriormente. O critério para tal julgamento é baseado na percentagem de retenção azotada, que varia de acordo com as diversas albuminas. O índice de retenção fornece o valor biológico de cada uma delas. Nessas condições, as proteínas do ovo possuem um valor biológico de 97, enquanto não passam o da soja e do bife, respectivamente, de 81 a 84. A conseqüência é das albuminas de alto valor biológico condicionarem desenvolvimento mais rápido do organismo animal, como acontece, por exemplo, com o ovo, sob esse ponto de vista muito superior à carne de porco. O fato pode ser explicado pela grande quantidade de cistina e metionina que ele contém, podendo tais ácidos aminados, adicionados à carne de porco, produzir efeitos idênticos aos obtidos pelo próprio ovo. As coisas estavam nesse pé quando Hess e seus colaboradores, em 1948, verificaram que duas amostras de proteína de ovo, preparadas por técnicas diferentes, forneciam resultados desiguais, produzindo variações de até 50%, quanto ao seu efeito sobre o desenvolvimento do organismo animal. A análise das amostras revelou, porém, não conterem elas a mesma proporção de ácidos aminados, havendo falta de cisteína em uma delas. Mas, quando esta foi enriquecida com tal substância, em proporção idêntica à da outra amostra, os resultados obtidos não melhoraram! Diante disso, Hess concluiu deverem existir ainda fatores desconhecidos, cujo papel é de importância no valor nutritivo das proteínas. Era a confirmação do que já havia sido estabelecido por Zucker e Bird, em tempos também muito recentes.

Um fato que não comporta discussão é de que, ao lado das doenças, constituem as insuficiências nutritivas fatores capazes de muito afetar a vitalidade do ser humano e dos animais. Elas podem alterar a sua saúde, diminuir a sua capacidade de resistência, afetar o trabalho dos seus órgãos, prejudicando a constituição física, a extensão da vida, o grau de fecundidade, a qualidade dos produtos de reprodução.

(Nordeste brasileiro, 1953).


* Médico, professor e ensaísta, membro da Academia Brasileira de Letras.

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