segunda-feira, 23 de novembro de 2015

O grito


* Por Talis Andrade


Cazuza via
além do tempo
além das máscaras
as artimanhas dos vendedores de espaço
no pássaro de aço
dos vendedores de ilusões
nos jardins de Tântalo
Cazuza ouvia o tintilar dos ossos
das caveiras no baile da Ilha Fiscal
Cazuza sentia o cheiro da corrompida carne
de um país ferido nas entranhas
Um triste Brasil que esconde a cara
Cazuza via além dos corpos
dos governantes que bebem e comem
nos palácios em forma de concha
Cazuza via os cortejos fúnebres
dobrando as esquinas iluminadas
pelas velas em intenção das almas
Cazuza via além do tempo
e da carne viva dos jovens
Que toda carne à luz azul
e negra das boates
mal esconde a cor lívida
dos cadáveres
Daí a irreverência o risco
as canções os gestos
de escândalo e morte
Na carne dorida carne
Cazuza sofria por antecipação
o idêntico destino da tribo de tietes
A carne tremente dos infantes
a carne tremente e sangrenta das donzelas
exibida nas passarelas
mal esconde a cor lívida
dos cadáveres
plúmbea cor
dos que estão na mira do esqueleto
o esqueleto armado
de arco e flecha

* Jornalista, poeta, professor de Jornalismo e Relações Públicas e bacharel em História. Trabalhou em vários dos grandes jornais do Nordeste, como a sucursal pernambucana do “Diário da Noite”, “Jornal do Comércio” (Recife), “Jornal da Semana” (Recife) e “A República” (Natal). Tem 11 livros publicados, entre os quais o recém-lançado “Cavalos da Miragem” (Editora Livro Rápido).



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