quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Aonde foram parar os ecologistas?


* Por Mara Narciso


Antigamente, quem defendia a Natureza era ecologista. Estavam certos, mas foram chamados de ecochatos e ecoxiitas. Veio então o termo ambientalista. A imprensa dita séria numa ocasião falava que o efeito estufa era uma retórica para assombrar o mundo e que a presença humana na Terra era irrelevante nas mudanças climáticas. Tempos depois, falavam no perigo da poluição e do esgotamento de recursos não renováveis.

Falando em Natureza e sua possível (ou impossível) recuperação, o Parque Estadual Lapa Grande tem 7,84 mil hectares, sendo um grande parque urbano em Montes Claros (395 mil habitantes e que enfrenta racionamento de água há um mês). Desde os tempos da festejada fazenda “Quebradas” de Dona Arinha e Pedro Veloso, localizada num santuário de águas e flores, que se pensava em preservar a área. O casal recebia amigos e até o Presidente Juscelino Kubitschek esteve lá.

O Parque criado em 2006 fica a 10 km da cidade, na região norte. Chega-se ao local pela Estrada do Alfeirão. O Parque guarda um complexo de 58 grutas e abrigos, e 47 sítios arqueológicos, uma vegetação de cerrado e mananciais que fornecem 30% da água da cidade. Há a Trilha da Lapa Pintada, que possui pinturas rupestres, a Trilha da Lapa Grande, a Trilha do Boqueirão da Nascente, a Trilha da Ponte de Pedra e trilha para ciclismo. Também oferece formação em Educação Ambiental e mudas nativas, cultivadas nos viveiros do Parque.

Para dar corpo ao sonho, áreas foram desapropriadas, demarcadas e preservadas, seguindo normas técnicas. A beleza do lugar, com muito verde e água cristalina abundante, várias nascentes, ricas fauna e flora foi reposta e mantida. A espera durou oito anos, e a visitação pública finalmente pôde ser liberada. Quando as visitas começaram, seriam permitidas no máximo 100 pessoas por vez, sendo uma de manhã e outra à tarde. Após 15 h não se entra mais. O sistema é frágil, e o movimento da visitação pode desgastar animais e vegetação, em recuperação populacional. São permitidos grupos de no máximo 15 pessoas para as trilhas, sempre com condutores do Parque, pagando-se R$5,00 por pessoa e seguindo-se normas de comportamento ambiental, explicitadas na entrada.

Fotogênico, o Parque é frequente alvo de ensaios fotográficos. Tem seis mil pinturas rupestres com idade estimada em 8.500 anos. Córregos de águas fresquinhas, correndo entre bosques de rica flora e pontes atraentes são convites à visitação. Os guias seguem os pequenos grupos para evitar avarias ao patrimônio, já com pichações em algumas pinturas.  Os nomes são registrados e as pessoas sabem que ali é um lugar do qual não se tira nada, apenas fotografias e não se deixa nada, a não ser as pegadas.   

Felizes os que foram degustar do cerrado recuperado por anos de tombamento e isolamento. Depois disso, só daqui a décadas, e olhe lá. É que um fogo que as autoridades dizem ter sido criminoso atacou a vegetação seca por cinco anos de chuvas escassas. Foi na área da ampliação de 2014. Durante seis dias o Corpo de Bombeiros, Polícia Militar, Defesa Civil, IEF, Ibama e Brigadistas Voluntários, dois aviões, um helicóptero e carros-pipa da Copasa arriscaram a vida contra a sanha das altas labaredas. Sob forte calor, a água jogada evaporava sem atingir a base. Depois tratores fizeram aceiros, tentando isolar o fogo. O assombro acompanhou Montes Claros cuja área urbana é muito próxima.

A voracidade do incêndio destruiu mais de três mil hectares do Parque Florestal, 40% do total e os trabalhos para contê-lo esgotou águas e energias dos combatentes, homens e mulheres cobertos de fuligem e ricos em força, estoicismo e coragem, e por isso receberam notável apoio da população. Fotos postadas na madrugada mostraram obstinação impressionante. A população enviava água mineral, isotônicos e frutas para os heróis.

Os gases liberados, o solo sem cobertura, as cinzas carreadas para o leito dos rios e o possível assoreamento são prejuízos que vão além dos limites do Parque. Com o fogo apagado, viu-se a devastação implacável, na qual pequizeiros carregados foram calcinados, animais perderam a vida, o solo e nascentes ficaram comprometidos e nós perdemos a esperança tornada cinzas e carvão.

A destruição do nosso parque, nossa maior tragédia ambiental, cuja recuperação poderá não ocorrer, a falta de água e o calor de brasas são menos do que a morte do Rio Doce, do não ter água nenhuma, ou dos ataques terroristas. Precisamos nos unir em prol do Rio Doce, de Mariana, de Governador Valadares e do norte de Minas. Vamos à luta Eduardo Gomes, Lucas Alves e João Marques! Precisamos de água e ajuda para que a nossa fauna e flora possam sobreviver. Que tal se cada um de nós plantasse dez mangueiras?

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”   



Um comentário:

  1. Que judiação e que descaso para um Parque de tamanha importância... Possa a natureza ser mais forte que todos estes maus tratos. Abraços, Mara.

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