sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Sucesso e fracasso


O sucesso e o fracasso são, salvo uma ou outra exceção, apenas parciais e com prazo determinado de validade. E não importa a natureza do empreendimento em que nos envolvermos: se relacionamentos interpessoais (amorosos, de amizade ou de sociedade), uma carreira profissional ou acadêmica, uma competição esportiva e vai por aí afora. Evitaríamos “uma tonelada” de frustrações, de mágoas e de decepções, quando não de traumas irreversíveis, se atentássemos para isso. Quase nunca atentamos. Empolgamo-nos, além da conta, com o sucesso, achando que será duradouro. Acomodamo-nos e... zás! Quando menos esperamos, percebemos que não fomos tão bem sucedidos assim. Ou então, nos deprimimos ao extremo com insucessos, entendendo-os definitivos e perdemos até o que poderia nos redimir: o amor próprio.

É verdade que, num e noutro caso, é facílimo e cômodo ditar regra, quando não somos os envolvidos. No caso de sucesso, recomendamos o óbvio dos óbvios: que o “vitorioso” não se acomode, que imponha novos objetivos (que sejam factíveis e ao alcance da capacidade) etc.etc,etc. Pregar isso a terceiros é fácil. Porém, quando somos os bem-sucedidos, agimos assim? Dificilmente. As fórmulas “mágicas” para situações de fracasso, quando, reitero, não somos os fracassados, são ainda em maior número. A recomendação básica, recorrente, infalível, aquela que nenhum conselheiro de plantão deixa de dar quando se mete a aconselhar quem fracassou (e que não pediu conselhos), é, invariavelmente, esta: “não desista! Tente de novo! Persista! Aprenda as lições de onde errou e torne a tentar!” E bla-bla-blá, bla-bla-blá, bla-bla-blá. Quando fracassamos, porém... Agimos assim? Seguimos recomendações do tipo? Raramente.

A experiência (não os livros) me diz que pouco, pouquíssimo empenho depende de nós tanto para conservar (e mais, para replicar) o sucesso quanto para reverter o fracasso. Dependemos em grande parte, das circunstâncias e da ação de terceiros. Fernando Pessoa, por exemplo, deixou registrada sua “fórmula” para sermos bem-sucedidos: “Para vencer - material ou imaterialmente - três coisas definíveis são precisas: saber trabalhar, aproveitar oportunidades, e criar relações. O resto pertence ao elemento indefinível, mas real, a que, à falta de melhor nome, se chama sorte”. A recomendação (sobretudo quando é para os outros, enfatizo) não deixa de ser sensata e até mesmo sábia.

Todavia, se o poeta dos heterônimos sabia disso, por que não aplicou à própria vida? É verdade que não se pode classificá-lo de “fracassado”. Todavia, se considerarmos o talento que tinha, seu sucesso foi muito aquém do que poderia (e deveria) ter sido. Sabe-se que nos últimos anos de vida ele foi tomado pela melancolia e caiu muitas vezes em depressão. Não, minha gente, Fernando Pessoa não foi, em vida, reconhecido devidamente. É incontestável sucesso hoje, posto que apenas póstumo. Certamente não aplicou sua sensata fórmula em sua vida e na carreira de escritor. Dependeu demais das circunstâncias, do acaso ou do que chamou de “sorte”. E esta... lhe foi madrasta. Saber trabalhar, não tenho dúvidas, sabia. No entanto, presumo, nem sempre aproveitou as oportunidades que teve. E muito menos criou relações adequadas para satisfazer plenamente seus objetivos.    .

O dramaturgo irlandês, Samuel Becket (falecido em 1989), também apresentou a sua “fórmula”, contudo  não para se obter sucesso, mas para encarar e reagir ao fracasso. “Tenta. Fracassa. Não importa. Tenta outra vez. Fracassa de novo. Fracassa melhor”. Como se vê, foi uma “recomendação” irônica, jocosa, posto que realista, mesmo que eivada de inegável pessimismo. Pergunto aos meus botões: “Será que ele teria coragem de dar esse conselho cara a cara, a quem tivesse acabado de fracassar?” Duvido! Era falar isso e sair correndo, para não levar uns bons sopapos.

Estas considerações podem parecer pessimistas e causar estranheza aos meus leitores habituais, mas creiam, não são. Admito que sejam, digamos, “politicamente incorretas”. Prefiro, porém, o realismo de Millôr Fernandes que, em uma de suas colunas humorísticas na extinta revista “O Cruzeiro”, escreveu: “Há duas coisas que ninguém perdoa: nossas vitórias e nossos fracassos”. E essa conduta implacável é tanto dos vencedores de ocasião, quanto (e principalmente) dos fracassados de carteirinha. Onde quero chegar com essa conversa toda? À conclusão que não devemos fazer do sucesso e do fracasso obsessões. Temos que nos empenhar, sim, para sermos bem-sucedidos. Mas tendo em mente que podemos fracassar a qualquer momento ou, se obtivermos êxito, que manda a prudência termos consciência de que este provavelmente não será duradouro. O que temos é que viver, da melhor forma possível, um dia por vez e vermos no que isso vai dar.    

Para “adoçar” um pouquinho estas considerações, partilho o pequeno, grande poema de Cecília Meirelles, intitulado “Discurso”:

“E aqui estou, cantando.

Um poeta é sempre irmão do vento e da água
deixa seu ritmo por onde passa.

Venho de longe e vou para longe:
mas procurei pelo chão os sinais do meu caminho
e não vi nada, porque as ervas cresceram e as serpentes
andaram”.

Boa leitura.


O Editor.

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