sábado, 31 de outubro de 2015

É certo mas não é justo, ou vice-versa


* Por Marcos Alves


Raul estava em casa quando, de repente, toca a campainha. Ele olha pelo olho mágico e vê Lídia, a mulata escultural que havia conhecido na praia junto com Dimas.

Abriu, apressadamente, a porta se atrapalhando com a fechadura. O batom vermelho realçava o sorriso da morena e tornava aquela boca ainda mais voluptuosa. Por um momento ele ficou paralisado. Recompôs-se, e falou enquanto trocavam beijinhos.

-"Que surpresa!"
-"Estava olhando umas vitrines e resolvi passar para dar um alô".
-"É? Que bom, mas o Dimas hoje não passa por aqui...".
Silêncio. Dimas era amigo de Raul – na verdade colega de trabalho, e estavam juntos quando conheceram a moça na Praça do Lido.

Foi Dimas quem primeiro se aproximou de Lídia e ela correspondeu. Os dois começaram um caso, e por duas ou três vezes depois desse encontro estiveram juntos no apartamento de Raul. Sozinha, ela nunca tinha ido. A visita naquela manhã era, de fato, uma surpresa.

Ela repetiu que estava de bobeira, olhando umas vitrines e resolveu dar um alô. Ah, bom. "Como sou distraído", pensou Raul. Ofereceu um copo de refrigerante, ela aceitou. Começaram a conversar sobre amenidades.

Na verdade não tinham muito assunto, se conheceram há semanas. Pouco sabiam sobre gostos pessoais, preferências e posicionamentos, enfim. Naquele momento ainda estavam se conhecendo melhor.

Ela pediu para olhar a vista "lá fora". Ele riu baixinho, porque a janela dava para as janelas de outros prédios, parte de uma pedra vazava por uma fresta entre duas construções, só isso. Ela esticou-se toda e apoiou o tórax no encosto do sofá para poder colocar o pescoço para fora. Ele aproveitou para apreciar o corpo da gata de 17 anos.

Quando virou-se, Raul não escondia no olhar o desejo que sentia. Além do mais, ele sabia que Dimas era casado. Ela sentou-se no sofá, ele no carpete e recomeçaram a conversa sem tocar no nome de Dimas. Raul estava interessado e fazia questão de demonstrar isso.

A mulher não ofereceu resistência. Em pouco tempo os dois se beijavam e trocavam carícias cada vez mais íntimas e intensas. A coisa não parava mais e ia parar onde todos sabemos, mas, no instante em que Raul preparava o golpe final, ela gritou: "Pára!"

Como um artilheiro deixa de fazer o gol porque o bandeirinha anula a jogada, ele olha incrédulo para o rosto da morena descabelada que agora tem nos braços e pergunta:
-"Mas o que houve?”
Ela se desvencilha do cerco a que foi, voluntariamente, submetida.
-"Nada", respondeu, enquanto catava as peças de roupa espalhadas pelo quarto-e-sala.

-"Não podemos fazer isso com Dimas", emendou.
Raul no fundo acha graça daquela repentina crise de fidelidade, mas respeita, mesmo de pau duro. Ela vai embora, e mal se despede do rapaz.

No trabalho, Raul passa vários dias sem tocar no assunto com Dimas. Mas um belo dia é o amigo quem pergunta:
-"Raul, lembra da Lídia, aquela morena que a gente conheceu no Lido?
-"Claro, como ela está?"
-"Sumiu, cara. Nunca mais a vi."

Raul disfarça, faz um comentário sobre a roupa do office-boy que passa por eles, mas acaba respondendo:
-"Mas sumiu de repente, sem dar notícia?"
 -"Nos vimos pela última vez há um mês, mais ou menos. Na verdade não sei muito da vida dela não". Raul teve vontade, mas não tocou no assunto da visita-surpresa. Continuou ouvindo.

Dimas parece estar ressentido, e se refere à menina de forma grosseira.
-"Estou pouco me lixando. Era só para dar umazinha mesmo..."
Raul apenas sorri, quer dar corda à conversa. Dimas continua:
-"Cara, agora tô namorando lá na Tijuca. Mas se a mulata aparecer na sua casa, diz que eu tô na área e dá meu telefone para ela".
-"Tá bom, pode deixar", respondeu Raul.

Dimas mudou de emprego, mudou de endereço, nunca mais deu notícias. Mas a moça volta a procurar Raul.
-"O que houve entre você e o Dimas", perguntou.
-"Nada, absolutamente nada, só mentiras. Seu amigo é um babaca."

Raul não discorda e ela continua:
-"Em três meses, ele me procurou sempre em horários estranhos, geralmente durante a semana. Nunca podíamos voltar muito tarde, porque ele sempre tinha que acordar cedo no dia seguinte. Cheio de mistérios, mas vazio quando falava, além de ignorante. Não sei como pude me interessar por ele. Nem para ficar, seu amigo serve. Além de ser ruim de ...."

Raul dá uma risada sonora, quase sarcástica. Nenhuma dívida moral ou sentimento de culpa pode atrapalhar agora, e ela diz:
-"Vamos terminar o que a gente começou".


*Marcos Alves é jornalista e diretor de vídeos.


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